O anime e o reggaeton têm experimentado um crescimento e reconhecimento internacional significativo nos últimos anos. O anime, antes considerado um entretenimento geek de nicho no mundo ocidental, alcançou sucesso mainstream e atraiu públicos diversos. Simultaneamente, o reggaeton tem experimentado um ressurgimento global, exceto nos países onde ele é expressamente proibido, como Cuba.
A união desses dois elementos na cultura latina é algo muito natural e até esperado.
As raízes da influência do anime na América Latina podem ser rastreadas até o final dos anos 90. O anime e a cultura japonesa sempre tiveram uma forte presença em certas comunidades, já que inúmeras pessoas cresceram assistindo a clássicos de anime como Dragon Ball Z, Sailor Moon e Pokémon. Grande parte dessa exposição pode ser atribuída ao impacto do Locomotion, um canal por assinatura latino-americano que transmitia 24 horas diárias de diversos gêneros de séries animadas para adultos.
De 1996 a 2005, o Locomotion serviu como plataforma para séries como Serial Experiments Lain, Neon Genesis Evangelion, Super Milk Chan e Cowboy Bebop. Ele forneceu uma porta de entrada para um reino de experimentação e expressão criativa, semelhante a como o Toonami capturou espectadores nos Estados Unidos e abriu em todo o Ocidente um novo horizonte estético extremamente elegante, com cidades futuristas mergulhadas em cores neon.
Nos últimos tempos, o reggaeton também começou a alçar lugares inesperados na Ásia – e essa influência pode até ser observada no K-pop, com artistas incorporando elementos do gênero em suas músicas. “ANTIFRAGILE”, do grupo feminino sul-coreano LE SSERAFIM, conta com créditos de produção e vocais de Isabella Love Story, uma artista pop e reggaeton de Honduras.
O impacto do reggaeton vai além das colaborações. Utada Hikaru, amplamente reconhecida por suas canções de abertura icônicas na série de videogames Kingdom Hearts, até mesmo fez uma versão de “Me Porto Bonito” do Bad Bunny, exemplificando o alcance do gênero.
Outros artistas latinos consagrados, como o já mencionado Bad Bunny, incorporaram inspirações de anime em seus trabalhos. O hit de Bad Bunny “Yonaguni” não apenas inclui seu verso final em japonês, mas também integra visuais de anime em seu videoclipe.
O vídeo de sua música “Bichiyal”, ambientado nos portos de Yokohama, oferece um vislumbre da cultura do drag racing no Japão, algo valorizado e popularizado também em filmes como Velozes & Furiosos: Desafio em Tóquio, de 2006.
Apesar das músicas geralmente serem repetitivas, de gosto duvidoso e pouco interessantes liricamente (repetindo, de forma primal, sempre o mesmo culto hedonístico de sexo e ostentação), talvez o interesse de alguns jovens japoneses nessa subcultura latina resida justamente nisso e reflita neles uma romantização daquilo que lhes falta: um senso mais frouxo de civilidade e uma aproximação com uma energia caótica mais evidente.
No entanto, explorando mais esse universo, especialmente inspirado por uma matéria do site Sabukaru sobre o encontro desses dois universos, descobri que o universo do reggaeton é curiosamente mais complexo do que eu previamente julgava.
Em círculos mais undergrounds (e interessantes), vemos também artistas como Deadperrx, um porto-riquenho que absorve o estilo com seu EP de estreia, apropriadamente intitulado “HARAJUKU”, um disco interessantíssimo que oferece uma mistura hipnotizante de hiperpop e reggaeton.
Embora o reggaeton seja comumente associado a batidas repetitivas de dancehall (e talvez a maioria dentro do gênero se resuma a isso mesmo), há músicas e produtores dentro do gênero que se aventuraram em reinos experimentais.
Um dos principais produtores responsáveis por isso foi Tainy. O estilo de Tainy, apesar de se configurar num estilo típico e reconhecível de reggaeton, ele consegue explorar um pouco melodias atmosféricas ocasionais baseadas em sintetizadores.
Com o lançamento recente de seu novo álbum DATA, Tainy foi bastante elogiado por entrelaçar seu estilo experimental característico em uma ideia conceitual.
DATA conta a história de um Android chamado Sena, que através das músicas do disco, vai fazendo upload de emoções e memórias e se tornando humano.
Notavelmente, o álbum apresenta arte de Hiromasa Ogura, o diretor de arte de Ghost in the Shell. Este lançamento marca uma sinergia muito significativa dos mundos dos animes japoneses e do reggaeton porto-riquenho.