Camile Paglia, em seu sensacional “Personas Sexuais”, diz que o termo dionisíaco “foi banalizado por polemistas dos anos 60”, que o transformaram em “brincadeira e protesto”.
Embora Camile Paglia esteja falando do seu entorno contra-cultural nos Estados Unidos dos anos 60, 70 e 80 — no qual ela não apenas viveu, mas participou ativamente — sua análise cairia muito bem ao falatório valetudinário de Zé Celso, fundador do teatro Oficina — que arroga pra si a “salvífica missão” de trazer Dionísio para um necessário debate atualizado, acreditando piamente que a concepção deste era representar as moderníssimas discussões sobre aceitação do corpo e prazer.
Como bem lembra Camile Paglia, o grande deus Dionísio é a barbárie e a brutalidade da mãe natureza.
“Dionísio liberta destruindo. Não é prazer, mas dor-prazer. A atormentada servidão de nossa vida ao corpo. Para cada dádiva ele extorque um preço. A orgia dionisíaca terminava em mutilação e esquartejamento. O frenesi das Mênades era banhado em sangue. A verdadeira dança dionisíaca é um extremo de torsão que rasga.”
Nisto, Camile Paglia orienta o sentido do conceito de dionisíaco nas “ásperas batidas percussivas de Stravinsky, Martha Graham e do Rock” onde “são concussões cósmicas no ser humano, rajadas de pura força” e termina refletindo que o “beberrão moderno, ajoelhado, gemendo e vomitando compulsivamente é o que está prestando o verdadeiro culto a Dionísio”.
Bem longe das feições meramente orgiásticas de Zé Celso, que parece confundir o mundo de Dionísio no Jardim das Delícias de Epicuro, a figura mais próxima de Dionísio seria a de um cenobita, na imaginação da novela de horror de Clive Baker, Hellbound Heart, que viraria o clássico do horror “Hellraiser: Renascido do Inferno” de 1987.
Não se trata de sexo, se trata de sobrecarga sensorial extrema em completo sinal de devoção. Não se trata de achar o prazer na dor, mas de transfigurar dor em prazer ao ponto de não saber mais diferenciá-los.
O princípio violento do culto de Dionísio é o sparagmós, que em grego quer dizer rasgar, despedaçar e estropiar.
A cena mais dionisíaca do cinema é a morte de Frank Cotton em “Hellraiser: Renascido do Inferno”, onde o vilão é preso pelos ganchos de Hellraiser e, antes de ter o corpo completamente dilacerado, lambe os lábios em claro sinal de lascívia.
Isso é o culto a Dionísio.