O universo pode não ser matemático

A geometria euclidiana é a geometria que geralmente aprendemos na escola, muitas vezes chamada simplesmente de “geometria”. Devido a isso, a geometria euclidiana é frequentemente vista como a única geometria existente, o que não é verdade. A geometria de Euclides é útil porque descreve de forma bastante precisa o espaço físico em que vivemos, mas não é a única maneira de entender o espaço.

Além da geometria euclidiana, existe a geometria lobachevskiana (ou hiperbólica), que, embora compartilhe algumas semelhanças com a geometria euclidiana, apresenta diferenças intrigantes. Por exemplo, na geometria euclidiana, a soma dos ângulos internos de um triângulo é sempre 180°. Já na geometria lobachevskiana, a soma é sempre menor que 180°, e a diferença é proporcional à área do triângulo.

A geometria lobachevskiana permite compreender o espaço de uma maneira que não é possível com a abstração euclidiana. Ela ajuda a entender melhor os espaços curvos e as propriedades dos espaços com curvatura negativa, bem como a estrutura do espaço-tempo e a influência da gravidade em grandes escalas. Além disso, é utilizada na composição gráfica de mosaicos, fractais e até no entendimento de perspectivas e distorções.

Na arte, Maurits C. Escher, apesar de não ter formação matemática formal, criou representações detalhadas e precisas dessa geometria.

A geometria lobachevskiana não substitui a euclidiana, mas a expande, revelando uma visão mais completa e complexa do mundo. Sua descoberta (não invenção, mas descoberta) proporcionou uma visão mais precisa da realidade que percebemos.

A geometria euclidiana parece refletir tão precisamente a estrutura do “espaço” do nosso mundo que muitas vezes nos ilude, fazendo-nos acreditar que ela é uma necessidade lógica ou que temos uma intuição inata de que deve ser aplicável ao mundo real.

Platão já havia alertado que o mundo real é uma espécie de reflexo distorcido de outro. Em sua visão, os objetos da geometria pura — linhas retas, círculos, triângulos, planos, etc. — existem apenas de forma aproximada no mundo físico. Esses objetos matematicamente precisos pertencem a um mundo ideal de conceitos matemáticos, que não é necessariamente o nosso mundo.

Não se trata de abandonar a geometria euclidiana ou substituí-la por outras, como a lobachevskiana. Este é apenas um exemplo entre outros tipos de geometria que nos ajudam a compreender o espaço. A realidade contém outras geometrias, como a de Kähler, a fractal, a projetiva, a computacional e a riemanniana, entre outras, que se inter-relacionam e podem até se contradizer.

Talvez o universo seja matemático, talvez não, ou talvez seja em alguns aspectos e não em outros, dependendo da perspectiva ou da escala do observador. Para quem vê o universo como uma ordem e se preocupa com as implicações da ciência, que às vezes parece indicar um caos inerente, é importante não confundir “ordem” com “ordem matemática”.

Chesterton, em “Ortodoxia”, abordou a idolatria da exatidão matemática de forma crítica:

“Suponhamos que alguma criatura matemática proveniente da lua examinasse o corpo humano; ela imediatamente veria que o fato essencial nesse caso é que o corpo é duplicado. Um homem contém dois homens: um à direita que se parece exatamente com outro à esquerda. Depois de notar que há um braço do lado direito e outro do lado esquerdo, uma perna à direita e outra à esquerda, ela poderia ir adiante e ainda encontrar de cada lado o mesmo número de dedos nas mãos, o mesmo número de dedos nos pés, olhos geminados, orelhas geminadas, narinas geminadas e até lobos do cérebro geminados. No mínimo ela tomaria o fato como lei; e depois, quando encontrasse um coração de um lado, ela deduziria a presença de outro coração do outro lado. E exatamente nesse momento, no ponto em que se sentisse mais segura de estar certa, ela estaria errada.

É esse silencioso desvio milimétrico da precisão que constitui o elemento misterioso presente em tudo. Parece uma espécie de traição secreta do universo. […] Em todas as coisas, em toda parte, existe o elemento do misterioso e do incalculável. Ele foge aos racionalistas, mas só escapa no último momento. Da grande curvatura da Terra alguém poderia facilmente inferir que cada centímetro dela apresentasse a mesma curva. Pareceria racional que, assim como um ser humano tem um cérebro de ambos os lados, ele devesse ter um coração dos dois lados. Todavia, os cientistas ainda estão organizando expedições para descobrir o Polo Norte, porque eles gostam tanto de paisagens planas. Os cientistas estão organizando expedições para descobrir o coração do ser humano; e quando tentam descobri-lo, geralmente procuram do lado errado.

[…] Se o nosso matemático da lua visse dois braços e duas orelhas, ele poderia deduzir as duas omoplatas e as duas metades do cérebro. Mas se ele adivinhasse que o coração do homem estava no lugar certo, então eu deveria chamá-lo de algo mais que um matemático.

Ora, essa é exatamente a reivindicação que venho fazendo para o cristianismo. Não simplesmente que ele deduz verdades lógicas, mas que quando de repente se torna ilógico, ele encontrou, por assim dizer, uma verdade ilógica. Ele não apenas acerta em relação às coisas, mas também erra (se assim se pode dizer) exatamente onde as coisas saem erradas. Seu plano se adapta às irregularidades ocultas e espera o inesperado. É simples no que se refere à verdade sutil. Admite que o homem tem duas mãos, mas não admite (embora todos os modernistas lamentem o fato) a dedução óbvia de que tenha dois corações”

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