Bem, vamos lá. Rapsódias de Julho, um drama honconguês de 2002 dirigido e roteirizado por Ann Hui.

Primeiramente, vamos a algumas curiosidades. O título poético “Rapsódias de Julho” em nada se assemelha ao título original, 《男人四十》, que significa “Homem na casa dos quarenta”.

Sim, o título original é esse!

Um título seco, árido e, diria, quase grosseiro — porém, autoexplicativo.

Aqui acompanhamos Lam Yiu-kow, um professor de literatura chinesa de quarenta anos de uma escola secundária de Hong Kong que está enfrentando uma crise de meia-idade, problemas conjugais, problemas financeiros e, como se não houvesse inconveniências suficientes, a atenção quase irresistível de uma aluna sedutora chamada Choi-lam.

Eu consigo entender a fascinação por esse tipo de história, ao mesmo tempo que elas acendem em mim muitos sinais de alerta.

Quero acreditar que isso não seja moralismo da minha parte, mas apenas resultado dos frutos dos pesos e contrapesos decorrentes da minha natural afeição pela ordem, pelas famílias estruturadas, da minha desconfiança em relação ao amor romântico, da noção aguda das vaidades masculinas (e não existe nada mais envaidecedor para um homem do que o amor de uma bela jovem) e, não menos importante, da minha religião.

Talvez eu tenha pouca sensibilidade artística em relação às aventuras romanescas típicas da literatura, do amor que surge em contextos proibitivos, desafiando as estabilidades das relações, das reputações e das famílias — ou talvez não seja corajoso o suficiente para afirmar minha mais sincera vontade contra as diligências das convenções — ou seja simplesmente amargo, não sei.

No fundo, acho que ninguém saberia de fato se diagnosticar e se avaliar numa situação dessas. Deixo na conta de Deus esse julgamento.

As decisões de vida do personagem principal soam desordenadas e, acredito, não poderia ser diferente.

Ele se casou cedo e sua vida se ramificou numa cadeia de tabus e assuntos mal resolvidos.

Nesse tempo, enquanto tentava desatar os nós de sua vida, constituiu família, filhos e uma carreira. Virou pai, virou homem.

A aparição de Choi-lam o joga de volta ao passado, quando era menino, onde as potências do devir se manifestavam.

O problema é que a própria vida deixa claro que suas pretensões românticas são reanimadas no momento em que sua vida já está estabelecida — e o cálculo de se viver essa nova paixão fulminante deve levar em consideração o pagamento do abandono de coisas valiosas: filhos, esposa, família e até emprego.

O que eu gostei no filme é que ele é consciente de tudo isso.

Existem outras subtramas que se incorporam, complementam e até espelham a trama principal, como a subtrama envolvendo o filho mais velho de Lam, que, na verdade, é filho biológico de uma noite de sexo casual entre Man-Ching, sua esposa, e seu antigo professor, Sr. Shing.

Man-Ching, por sua vez, está dividida entre sua lealdade à família e seus sentimentos não resolvidos em relação a Shing, especialmente porque ele está morrendo de câncer.

Em suma, o filme é um quadro realista da vida que se apresenta nos dramas insolúveis da união imperfeita de pessoas incompletas — e não dá para ser diferente.

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