Eu não sou bom em contar histórias, nem em criar coisas — mas sou muito bom em admirar quem o faz.
Keep Rolling é o filme que eu teria feito.
Trata-se de um documentário e uma homenagem a uma das cineastas mais influentes de Hong Kong: Ann Hui. Ela foi precursora da New Wave de Hong Kong, um movimento que, no contexto do cinema asiático, tem uma importância comparável à da New Hollywood no cinema norte-americano.
O documentário percorre os quarenta anos de carreira de Hui, revelando um testemunho inequívoco de uma vida dedicada ao cinema.
Uma das coisas mais interessantes sobre sua obra é a constante busca por identidade. Fiquei muito, mas muito satisfeito em perceber que minhas impressões sobre a cineasta coincidem com os comentários feitos por ela mesma no filme.
Sempre vi o cinema de Hong Kong como algo profundamente metamórfico. E Ann Hui também. Meu Deus, eu quero ser amigo dela.
Hong Kong não é Ocidente, não é Oriente e também não é uma simples síntese dos dois. Hong Kong é, ao mesmo tempo, Ocidente e Oriente em seus extremos.
A carreira tumultuada de Hui se confunde com sua vida pessoal — igualmente tumultuada — e com sua jornada íntima por essa cidade que ama.
Este filme biográfico mergulha no mundo idiossincrático da diretora aclamada, revelando suas inquietações e estranhezas, mas também suas preocupações profundamente humanísticas com os “Joões Ninguém” de Hong Kong, que encontra nos mercados, lojas de conveniência, feiras e aeroportos.
Sua obra é tão real e honesta que chega a ser palpável.
Além disso, Ann Hui é uma figura trágica, marcada por questões de autoestima — ela se acha muito feia, mas, ao final do documentário, eu estava tão encantado que me casaria com ela — e, ao mesmo tempo, extremamente engraçada. Acho que meu sonho, agora, é passar uma noite na mesma mesa com Ann Hui, Fran Lebowitz e Martin Scorsese
Achei lindíssimo o foco que Lim Chung-man, diretor desse documentário, deu à sua relação com a mãe, suas reflexões sobre a velhice (aliás, assistam ao magnífico Uma Vida Simples) e até ao simples hábito de fumar — tão próprio de pessoas introspectivas e contemplativas.
Tudo que vejo nela falta em muitas diretoras ocidentais — como, por exemplo, o completo desprezo que ela demonstra pelo rótulo de “feminista”. Não pelo movimento em si, mas por ser uma redução absurda de sua identidade. Ela odeia ser chamada de “diretora mulher”, pois entende isso como um recorte desnecessário. Se for rotular ela numa identidade, faça assim: uma cineasta de Hong Kong.
Ann Hui, como todo grande artista, não cabe em nenhuma agenda.