Às vezes, pergunto-me quanto se perde no desencontro babélico das línguas. Em uma das minhas buscas sobre uma artista japonesa chamada Yoshiko Sai, por quem me apaixonei, deparei-me com o quase-nada. Há pouco sobre ela: fragmentos de biografia, algumas canções dispersas, quase nenhum comentário sobre sua obra.
Foi então que decidi buscar como um japonês. Digitei os caracteres: 佐井 好子. E eis que um mundo inteiro se descortinou. No Spotify, seu perfil mantinha-se fiel à escrita japonesa tradicional, assim como seus álbuns — nenhuma romanização que pudesse facilitar meu trabalho, mas consegui superar isso e, tal como um jesuíta no Japão, adentrei clandestinamente em território desconhecido.
Resolvi mergulhar em sua discografia. E, meu Deus, que descoberta.
Sua carreira começou em 1975, encerrou-se em 1978 e ressurgiu três décadas depois, em 2008, com Taka Makan (タクラマカン).
Esse retorno não traía o espírito dos primeiros trabalhos; pelo contrário, confirmava-o: composições variadas e ecléticas, onde a voz de Yoshiko Sai reivindica a centralidade de protagonista — uma voz que é ao mesmo tempo lírica, ríspida e fantasmagórica.
A abertura do álbum, “Bon Voyage”, é uma despedida sombria, ironicamente colocada no início. Os vocais assombrosos de Yoshiko Sai destacam-se no centro de um quarteto de cordas tão expressivo que praticamente soam como vozes humanas. No entanto, quando as cordas desaparecem, são substituídas pelo estalar de baquetas e uma guitarra distorcida que anuncia a segunda faixa, “Today and Tomorrow”, onde Yoshiko Sai é acompanhada pelos riffs e solos de Seiichi Yamamoto, da banda Boredoms — um grupo de rock experimental. Aliás, os instrumentistas que compõem esse disco são excelentes e bastante criativos — todos eles certamente honrados por participar de um trabalho de Yoshiko, uma lenda da música underground e experimental no Japão; uma artista tão talentosa quanto completa: até mesmo a belíssima arte da capa deste disco foi criada por ela.
Outra faixa que merece destaque é “Déjà Vu”, onde vemos Yoshiko Sai adentrando o território do jazz, com sua voz quase assumindo a qualidade de uma cantora de lounge.
Minha preferida, entretanto, é “Kawarimono” (talvez eu esteja dividido entre ela e “Today and Tomorrow”) — uma mistura de rock psicodélico e música caribenha, algo como “Sympathy for the Devil” dos Rolling Stones, porém com passagens jazzísticas que lembram John Coltrane; um trabalho excepcional de saxofone por Hiroaki Katayama.