Herança Maldita é um filme baseado vagamente no conto “O Forasteiro” de H.P. Lovecraft.

O conto original traz em sua narrativa a história de um recluso, provavelmente nobre, vivendo em um castelo por anos, sem conhecer o exterior, a luz do dia e sua própria aparência.

Um conto peculiar de Lovecraft, que se orienta menos no seu horror cósmico mais característica e caminha numa narrativa mais próxima ao de Mary Shelley, com algumas piscadelas para Kaspar Hauser de Jakob Wasserman.

A matéria prima é menos o medo ancestral, o típico objeto de estudo do Lovecraft e mais a melancolia sorumbática e gótica de Mary Shelley.

O filme de Stuart Gordon transforma a criatura melancólica “mary-shelleyana” numa besta-humana desfigurada e raivosa, que apenas se orienta pelos instintos animais mais básicos: a fome e o tesão.

Sim, o tesão.

Surpreendentemente o teor sexual do filme é muito evidenciado – o que pode causar muita repulsa em quem vê – com cenas que compreensivelmente podem ser consideradas de “mau gosto” (embora, se você vê um filme de terror e não está preparado pra isso, você é um baita de um fresco – convenhamos, né?).

A criatura é castrada – detalhe que eu achei genial.

Isso não muda seu impulso sexual, algo impertinentemente persistente – o detalhe que torna toda psicologia da criatura ainda mais apavorante e desesperadora.

O tesão e a noção de inconcretude, combinado com a incivilidade advinda da reclusão – esvazia toda criatura de luz e o que lhe sobra como expressão é apenas a violência.

Não se enganem com o fato de ser um filme B. Ele coloca o conceito do Jean-Jacques Rousseau sobre a “natureza boa” do homem na parede e lhe morde a jugular.

Posso me arrepender de falar isso, mas acho que é até mais interessante que o conto original.

Existe ainda uma moralidade que perpassa o filme e que só os olhares iniciados, que conseguem ver além das grosserias de imagens nojentas e apavorantes, conseguem notar.

A família no filme, que vai se hospedar no castelo, possui um drama surpreendentemente adulto envolvendo um relacionamento pontuado por um grande trauma.

Existem outras questões levantadas no filme sobre empatia, perdão e sacrifício.

Enfim.

O filme pra mim é um clássico não reconhecido e vale todas as estrelinhas que eu coloquei aqui.

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