Hādōxt Nask, a daena e os caminhos celestes depois da morte na tradição persa antiga

Hādōxt Nask é um texto da tradição persa antiga, parte do Avesta, que descreve a jornada da alma (urvan) após a morte, incluindo julgamento, recompensas e punições. É uma fonte importante para entender as crenças zoroastrianas sobre o pós-vida.

Além de belíssimo literariamente, há uma certa projeção erótica na descrição das entidades envolvidas e mencionadas nesse poema, além de um interessante mapeamento cósmico por regiões intermediárias entre o mundo material e as zonas celestes (ou o inferno, dependendo de seu destino).

A alma (urvan) do justo permanece ao lado do seu corpo durante três dias, como se estivesse velando, junto com familiares e amigos do morto.

Por volta do término da terceira noite, um vento perfumado eleva-se do Sul, e a daena do morto aparece “sob a forma de uma formosa jovem, radiosa, de braços brancos, cheia de vigor, de bela aparência, reta de corpo, grande, de seios empinados…”.

Daena (ou Den) é um conceito central que representa a “consciência espiritual” ou a “visão interior” de uma pessoa. Em essência, a daena é a personificação da fé e da conduta ética de cada um.

Ela é individualizada, mas se manifesta em uma aparência específica: sempre é essa mulher de proporções sensuais, ao mesmo tempo delicada. Seja você homem ou mulher, sua daena, que também é você, se caracteriza dessa forma.

Ao revelar sua identidade, a daena acrescenta: “Gentil que eu era, tu me tornaste mais gentil por teus bons pensamentos, por tuas boas palavras, por tuas boas ações, por tua boa religião; bela, tu me tornaste ainda mais bela; desejável, ainda mais desejável me fizeste”.

daena é o “seu próprio Eu”, que lhe é preexistente, mas que é, ao mesmo tempo, resultado de sua atividade religiosa na Terra.

Toda boa ação, todo ato de misericórdia, todo ato de caridade, todo ato de perdão – sua daena fica mais bonita.

Ela apresenta-se sob uma forma feminina arquetípica: delicada e vaidosa.

Isso pode estar ligado a uma imaginação persa do que se aproxima materialmente da perfeição. O ser mais bonito da terra é uma mulher jovem e bonita, e a maior felicidade do homem é deixá-la mais bonita, com mais joias e mais perfumes. Existe um componente erótico, mas não sexual – é quase um erotismo projetado no sublime e no inalcançável.

daena também está acompanhada de alguns cães, que normalmente são símbolos de proteção (quando colocados em um portal) ou guia, quando te acompanham. O que sugere um movimento de condução, e é isso que acontece.

Junto com a daena, caminha-se quatro passos e, depois, atravessa-se as esferas celestes (as estrelas, a lua e, por fim, o sol), onde se encontra o paraíso.

daena e seus cães guiam o justo sobre a ponte Cinvat, por cima do Hara Berezaiti (a montanha cósmica, o “centro do mundo”, que liga a Terra e o Céu).

No cume da montanha, você é recebido por Vohu Manah (entidade que personifica o “bom pensamento”) e se apresenta diante de Ahura Mazda, o deus supremo, juntamente com os outros “benfeitores eternos” (Amesha Spentas), que são Asha Vahishta (entidade da “retidão”), Spenta Armaiti (entidade da “fé devocional”), Khashathra Vairya (entidade do “bom governo”), Haurvatat (entidade da “integridade”) e Ameretat (entidade da “imortalidade”, que representa o seu legado no mundo).

Você será assistido por eles, enquanto é julgado por MithraSraosha e Rashnu (munido de uma balança). Mithra, famoso pelas comparações estapafúrdias com Nosso Senhor Jesus Cristo, é o deus dos contratos, juramentos, amizade, justiça e guardião da ordem cósmica. Sraosha é o deus da obediência. Rashnu é o deus da justiça.

Ahura Mazda ordena que você, durante o processo, não o interrogue em nada (pois é comum que isso ocorra) e, depois, se dado o veredito favorável, lhe oferece “manteiga de primavera”, que é, para o justo, “o alimento depois da morte”.

A alma do mau, ao contrário, encontra no vento podre do norte uma pavorosa megera, que te pega pelo braço e te conduz para a região das trevas, onde se encontra Angra Mainyu, o inimigo de Ahura Mazda.

O interessante é que a alma do mau nem é levada a julgamento; ela vai direto para o inferno, enquanto a do bom passa pelo julgamento – o que pode ou não lhe ser favorável.

O julgamento, caso favorável, lhe dá o acesso ao plano celestial e à felicidade eterna. Caso desfavorável, você cumprirá uma pena purgativa, até se purificar.

Uma coisa que o catolicismo resgatou na ideia do purgatório: no céu não se entram bonzinhos, se entram santos.

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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