Procurando algo menos repetitivo e previsível na música pop atual que seja ao mesmo tempo criativo, visualmente impactante (até mesmo sem medo de parecer grotesco, nunca tive frescura com isso) e que não esteja obssecado em quebrar os mesmos nostálgicos tabus que já foram quebrados em Woodstock e senso de autoimportância yuppie?
Procurando uma lista de artista dodóis da cabeça ao redor do mundo que expõe sua personalidade sem resumir toda ela em orientação sexual, gênero e sexualidade saturada?
Acho que encontro isso em yeule – um projeto musical de Nat Ćmiel, uma compositora de Cingapura.
Ao longo de sua carreira, yeule se destacou por seu estilo distintivo e sua capacidade de combinar diferentes gêneros e influências. Tal como Billie Eilish (no começo de sua carreira), sua música aborda temas de solidão, introspecção e luta emocional, e se transforma em um veículo de conexão e resiliência. A diferença é que yeule reflete essas experiências num contexto um pouco mais digital.
Os estilos trabalhados por yeule são, normalmente, dreampop, shoegaze e glitch.
O dreampop se concentra, normalmente, nas melodias vocais de suas músicas, que são suaves e possuem camadas oníricas que sugerem tranquilidade ou simples desistência.
O shoegaze se apresenta nas distorções instrumentais e sugere elementos de revolta, embora sua distorção seja diluída num bloco informe de som, sugerindo raiva inócua.
O glitch, talvez o elemento mais importante da sua música, oferece conceito ao seu som e à sua própria personalidade artística. Não é por acaso que ela é considerada a “princesa do glitch”. Sons de falhas eletrônicas, estalos evocam automaticamente estranhamento. A interferência digital é, para ela, uma metáfora para um desajuste entre a pessoa real e a persona digital.
Softscar é o seu último trabalho, lançado em 2023.
A “princesa do glitch” nos mostra que todos nós estamos irremediavelmente amarrados à tecnologia em busca daquilo que todos os seres humanos sempre buscaram: coisas contraditórias: companhia e isolamento, pertencimento e individualidade, conforto e desafio – ou seja, resumindo, um controle absoluto do outro, de si mesmo e da própria realidade.
O softscars percorre vários temas atuais e nos mostra como a cultura digital pode ser tão despretensiosa quanto um vídeo no TikTok e, ao mesmo tempo, tão assustadora quanto uma notificação no aplicativo de um amigo que resolveu que não quer mais viver.
Minhas faixas favoritas são X W X, a primeira faixa, e fish in the pool – sétima faixa.
X W X tem um impressionante diálogo com o Heavy Metal e Nat Ćmiel arriscando, pela primeira vez (pelo que eu lembro), guturais. Uma música fantástica.
fish in the pool é uma belíssima música instrumental com base em piano e ela cantarolando suavemente ao fundo. Nat Ćmiel, desde os 6 anos de idade, estudou música e tem uma sólida base de música clássica. Esta música, que podemos notar uma certa influência de Debussy, parece ser, para ela, uma viagem nostálgica para uma época onde tudo parecia ser mais simples e mais belo. É a única música do disco que, pra mim, não soa melancólica, mas incrivelmente tranquilizadora.
Outra música que eu gostei muito é cybermeat (faixa 11), que tem muita influência de Pop Punk noventista (Avril Lavigne é uma das influências de Nat) misturado com uma melancolia à la Billie Eilish.
Outra música muito diferente dela, com alguma projeção mais mainstream (faixa 9), é inferno, que tem uma pegada mais dançante e poderia ser facilmente divulgada como um hit.
As outras músicas são ótimas também, skull baby (segunda faixa) e ghosts (quinta faixa) são baladas dreampop pra lá de pegajosas.
softscar (terceira faixa), 4u12 (faixa 4), dazies (5), software update (7), bloodybunny (10) e aphex twin flame (12) são típicas músicas de yeule: uma mistura doce e esquisita de shoegaze, dreampop e glitch.
Em suma, adorei o disco.