Serotonin II é o disco de estreia de yeule, lançado em 2019. E, sim, eu procurei para ver se existia algum “Serotonin I” – mas não havia.

Esse, no entanto, não foi o primeiro disco que ouvi dela. Meu primeiro contato com yeule (cujo nome verdadeiro é Nat Ćmiel, mas vou chamá-la de yeule mesmo assim) foi com o álbum softscars, de 2023.

A primeira coisa que me chamou atenção em yeule foi seu visual. A música foi a segunda coisa que notei, e talvez essa seja a melhor forma de conhecer essa artista. Yeule tem um apelo visual muito marcante, então, além de ouvir suas músicas, eu sugiro dar uma olhada em seus videoclipes, que são belamente produzidos. Música, moda e videoclipes são extensões naturais de sua identidade artística.

Neste álbum, as seguintes músicas possuem videoclipes disponíveis em seu canal oficial do YouTube: Poison Arrow, Pixel Affection, Pocky Boy e Pretty Bones.

O disco começa com Your Shadow, uma faixa instrumental, onde se destacam elementos de glitch, piano e um leve e distante cantarolar ao fundo, que traduz muito bem sua personalidade artística: algo de difícil assimilação, mas, estranhamente, belo.

O clipe de Poison Arrow, segunda faixa do disco, já revela as características da sua música e conceito visual: ao mesmo tempo etéreo e sombrio.

Segue abaixo o clipe:

É difícil falar de significados exatos quando se trata de expressões de artistas como yeule. Suponho que suas músicas sejam vagamente confessionais, ao mesmo tempo que tentam traduzir sua percepção do mundo.

O problema é que, muitas vezes, artistas jovens não sabem ao certo o que estão confessando, e tampouco têm uma opinião madura sobre o mundo, já que grande parte de sua energia é gasta tentando entender a si mesmos e seu lugar no mundo.

Por isso, a juventude costuma ser marcada por uma certa extravagância visual: roupas chamativas, piercings, tatuagens, etc. Yeule é a personificação disso. Não que não haja profundidade em sua arte, mas ela é relativa.

Essa extravagância pode ser aprisionante se não for colocada em perspectiva. O excesso, às vezes, mais atrapalha do que ajuda a pessoa a se entender.

As próprias entrevistas de yeule parecem evasivas em relação às suas ideias, pois acredito que ela mesma ainda esteja buscando seu caminho.

A terceira faixa, Eva, é inspirada no anime Neon Genesis Evangelion, embora não seja diretamente sobre isso. Ela apenas usa o anime como uma referência distante para expressar o sentimento de estar com alguém sem temer “seu lado mais sombrio”.

Parece confuso para você? Aposto que é ainda mais confuso para ela.

Yeule, como muitos jovens, criou um personagem de si mesma e tende a se perder em múltiplos complexos de personalidade e pretensões (sim, yeule é pretensiosa – isso precisa ficar claro).

Outra referência à cultura dos animes está na quarta faixa, See You Space Cowboy, uma música glitch instrumental, cujo título é retirado do anime Cowboy Bebop.

Em Pixel Affection, quinta faixa, encontramos uma das melhores músicas e letras do disco, falando sobre a loucura e o artificialismo sombrio dos nossos afetos projetados no mundo digital. Segue abaixo o clipe:

O videoclipe é incrível e, conceitualmente, muito diferente de Poison Arrow. Enquanto o primeiro se assemelha a uma fábula sombria, este mergulha numa distopia cyberpunk, onde yeule se vê como uma cyborgue, sentada diante de um computador, assistindo a si mesma cantando – enquanto uma outra versão dela, como um personagem de um jogo, aparece em cena buscando a yeule original.

Pocky Boy tem um clipe onde yeule e mais duas pessoas, de gênero indefinido, se divertem de maneira levemente assustadora em um colégio aparentemente abandonado.

Essa música foi lançada como single e, segundo o portal Highclouds, a intenção de yeule é criar paisagens imaginárias e reflexões oníricas através de um ritmo bedroom-trance, ao mesmo tempo em que aborda estereótipos de gênero. Embora nada disso esteja claro na letra, que parece apenas uma descrição sombria e indefinida de uma pessoa com pensamentos intrusivos de morte.

Talvez esse descompasso entre conceito, música e visual seja, de fato, a ideia.

Cultura de Pocky refere-se a um fenômeno cultural popular no Japão e outros países da Ásia Oriental, relacionado ao biscoito Pocky, muito consumido e associado a certas práticas sociais, muitas vezes femininas. Talvez Pocky Boy seja uma referência subversiva a esse costume.

Pretty Bones, outra música com clipe, é um pós-pop gótico eletrônico com um videoclipe visualmente deslumbrante e fortemente metafórico, dirigido por Joy Song, amiga de yeule. Segue abaixo o clipe:

Neste clipe, vemos uma mesa de comida sendo lascivamente destruída e apodrecendo. Segundo yeule, em uma entrevista ao portal Paper, isso metaforiza sua obsessão com “coisas temporárias”. Para ela, há uma beleza evanescente nas coisas bonitas que se destroem e desaparecem.

As outras músicas, embora não tenham clipes oficiais, são igualmente interessantes, e algumas já foram performadas ao vivo.

Há vários interlúdios instrumentais experimentais. Se não me engano, essas faixas temáticas foram popularizadas pelo Black Sabbath, como em E5150 (do Mob Rules) e Stonehenge (do Born Again), que também trazem elementos glitch e ambient.

Um exemplo é Nuclear War Post IV, que consiste apenas em uma mistura de ventania, canto e sintetizadores.

O melhor do disco, no entanto, está nas últimas faixas, que não possuem videoclipes oficiais.

Reverie é uma bela e fantasmagórica balada gótica e glitch, talvez uma das músicas mais belas do álbum.

Na ausência de um clipe oficial, um usuário do YouTube chamado vann gaba publicou um belíssimo vídeo dessa música. Vale a pena conferir:

Blue Butterfly, a faixa seguinte, é uma balada etérea, ao mesmo tempo doce e sombria, com uma projeção dreampop e ambient.

An Angel Held Me Like a Child, a faixa seguinte, traz uma transição para algo mais eletrônico e levemente dançante, sem perder a aura onírica.

Veil of Darkness, a última faixa, começa com belos arranjos de piano, mas se transforma em uma verdadeira obra-prima glitch e noisely. É minha faixa favorita e a mais interessante, instrumentalmente perturbadora. Vale a pena conferir:

 

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