Recentemente assisti a Septet: The Story of Hong Kong, uma antologia cinematográfica sobre a história de Hong Kong, dirigida por sete cineastas diferentes: Sammo Hung, Ann Hui (rainha!), Patrick Tam, Yuen Woo-ping, Johnnie To, Ringo Lam e Tsui Hark.
As histórias se passam entre os anos de 1950 e 2020, acompanhando as transformações sociais da região ao longo das décadas.
O primeiro filme é Exercise, de Sammo Hung, ambientado na década de 1950. Ele retrata a rigidez de um professor de artes marciais que treina seus alunos no telhado de um prédio. Um detalhe curioso de Hong Kong é que, por ser uma região com altíssima densidade populacional, os espaços precisam ser constantemente improvisados — como telhados servindo de academias, por exemplo.
O segundo filme é Headmaster, de Ann Hui, ambientado nos anos 1960. Nele, um diretor de escola se dedica ao cuidado de crianças pobres em uma Hong Kong ainda em reconstrução após a guerra. O filme é inspirado em histórias reais, no estilo típico de Ann Hui, e retrata professores da época com grande sensibilidade.
O terceiro filme, Tender Is the Night, dirigido por Patrick Tam, é um dos melhores da coletânea. Ambientado nos anos 1980, mostra um jovem casal passando sua última noite juntos antes de a garota emigrar para o Reino Unido, em busca de estabilidade diante das incertezas políticas do período — mais especificamente 1984, um ano após a Declaração Sino-Britânica, que definiu a devolução de Hong Kong à China em 1997. O filme captura bem a ansiedade da época, marcada por um êxodo significativo de cidadãos.
O quarto filme é Homecoming, de Yuen Woo-ping, ambientado nos anos 1990. Para mim, o mais divertido. Um avô tenta se reconectar com sua neta, que cresceu no Canadá e não fala cantonês. Durante o filme, os dois tentam superar as barreiras culturais enquanto o avô compartilha histórias do passado — é um filme sobre afeto, memória e identidade.
O quinto filme, Bonanza, de Johnnie To, se passa nos anos 2000. Três amigos se reúnem em um café para discutir investimentos, especulando sobre ouro, imóveis e ações. A trama satiriza com ironia a obsessão de Hong Kong por enriquecimento rápido e as sucessivas bolhas econômicas que marcaram a região.
O sexto curta é Astray, de Ringo Lam, ambientado em 2010. Nele, um homem retorna a Hong Kong após anos no exterior e se vê perdido nas ruas da cidade, agora transformada — prédios antigos foram demolidos e a cultura local parece ter desaparecido. É uma metáfora clara da crise de identidade pós-1997.
O sétimo e último filme, Conversation in Depth, é o mais enigmático. Sua ambientação é atemporal e o estilo, absurdista. A história se passa em algo parecido com um hospício, onde todos os diretores aparecem como atores. Há uma discussão metalinguística interessante, em que dois personagens conversam sobre como fazer filmes sobre Hong Kong e como capturar sua essência. Um encerramento provocador e bastante simbólico.
Uma das coisas que mais me chamou atenção no cinema de Hong Kong é sua constante necessidade de se afirmar como “cinema de Hong Kong”.
Parece haver algo ali que transcende o mero regionalismo: existe uma urgência em declarar uma identidade — mesmo que essa identidade esteja em crise. Acredito que isso seja típico de locais que enfrentam instabilidades históricas e políticas permanentes.
Hong Kong, por ter sido um protetorado britânico, é o território mais ocidentalizado da China. Por décadas, foi o único território chinês capitalista e desenvolvido. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, Hong Kong parece mais “chinês” que a própria China continental: após a vitória de Mao Tsé-Tung e a fundação da República Popular da China, muitos associados ao antigo regime — nacionalistas, poetas, intelectuais, religiosos e outros considerados “inimigos do povo” — fugiram para lá.
Não é à toa que a região convive com tensões separatistas dentro da China. Tensões essas ainda mais dramáticas que as de Taiwan, porque, enquanto Taiwan é uma ilha separada, Hong Kong está dentro do ventre da República.
Outro aspecto notável desse “nacionalismo regional” é que ele não é laudatório nem acrítico. O cinema de Hong Kong talvez seja o que mais escancara os próprios problemas da cidade.
Acho isso invejável. Como brasileiro, sinto que vivemos uma contradição curiosa: temos pouco conhecimento sobre nosso próprio país, mas ao mesmo tempo cultivamos uma aversão quase esquizofrênica à autocrítica — qualquer comentário crítico é rotulado como “complexo de vira-lata”. Para mim, enquanto o Brasil não aprender a valorizar seus heróis e os grandes nomes de sua cultura, continuaremos vendo figuras como Ed Motta sendo duramente criticadas por falar verdades sobre o país no exterior — quando, na verdade, isso deveria ser visto como um ato legítimo de patriotismo