Ouvi novamente o Piece of Mind, como se fosse a primeira vez. Sim, é um disco familiar — que não me traz nenhuma novidade, que conheço de cabo a rabo.
Por que raios eu faria, de novo, uma audição atenta? Se você pensou que eu não tenho o que fazer, acertou. Coloquei os fones, aumentei o volume até o limite do bom senso, deitei na cama e fiquei olhando para o teto — como já fiz várias vezes, com o mesmo disco. Me conecto profundamente com esse ritual do “de novo” e, “de novo”, vou escrever sobre o álbum – é minha forma de congelar o tempo.
Piece of Mind consolida muitos dos fundamentos do Iron Maiden: letras com influências cinematográficas, literárias, místicas e mitológicas; performances vocais carregadas de dramaticidade; e uma fusão entre o rock progressivo de bandas como Nektar e Jethro Tull e o rock and roll cru dos anos 70, no estilo de Montrose — artistas que seriam homenageados pelo Iron Maiden em singles e reedições especiais deste e de outros álbuns.
Não se trata de um disco que inaugura esses elementos — eles já estavam presentes nos trabalhos anteriores. O progressivo aparece em faixas como “Phantom of the Opera” e “Prodigal Son”, enquanto a dramaticidade se faz notar em “Children of the Damned” e “Hallowed Be Thy Name”. No entanto, em Piece of Mind, esses traços se intensificam e se estabelecem de forma definitiva — e vão se repetir nos discos posteriores – vão consolidar o “de novo” da banda.
Há fragmentos de Piece of Mind em Powerslave, Somewhere in Time, No Prayer for the Dying, The X Factor, Brave New World.
O álbum é a síntese do que podemos chamar de “o som do Iron Maiden”: cavalgadas rítmicas, harmonias de guitarra, solos inspirados, viradas de bateria, baixo proeminente e um vocal pungente e teatral.
Essa identidade se deve não apenas à maturação de uma sonoridade já explorada, mas também ao estabelecimento da formação clássica. E, sim, é aqui que o Iron Maiden clássico começa.
Peço desculpas aos fãs de Clive Burr e Paul Di’Anno — sei que há um afeto especial por eles (que eu também compartilho) —, mas o verdadeiro Iron Maiden, a era de ouro da banda, começa em Piece of Mind e termina em Seventh Son of a Seventh Son. Nem mesmo The Number of the Beast eu incluo.
O Iron Maiden em sua expressão mais característica é a combinação de Bruce Dickinson, Nicko McBrain, Adrian Smith, Dave Murray, Steve Harris, Rod Smallwood, EMI e, é claro, Derek Riggs nas capas e Martin Birch na produção. Qualquer coisa além — ou aquém — disso, por mais que eu aprecie, é uma variação (ou até uma corruptela) desse núcleo essencial.