Fallen Angels eleva o estilo do cinema neo-noir de Hong Kong ao nível de uma referência arquetípica.
Aqui, o diretor Wong Kar-Wai, diferentemente de Chungking Express, assume uma estética que bebe muito de filmes como Taxi Driver, de Martin Scorsese. Ou seja: cenas noturnas dominadas por tons escuros, faróis de carros, néons de vitrines e postes criando manchas de cor difusas e sombras alongadas. Não raro, essas manchas são distorcidas pela chuva ou atravessam intermitentemente vidros sujos, reforçando um aspecto hipnótico e quase onírico.
Esse tipo de estética, originalmente pensada para uma cidade como Nova York, encontra em Hong Kong sua apoteose representativa. Hong Kong é Nova York potencializada: tem mais néon, é mais suja e também mais chuvosa.
O interessante é que esse efeito, inicialmente criado para causar desconforto, acabou se tornando um recurso charmoso, elegante e até sexy – e esse filme é sexy pra caralho.
Temos duas histórias interligadas: a de um assassino de aluguel que quer deixar o submundo do crime e a de um ex-presidiário mudo fugindo da polícia. Ambos se envolvem em relações amorosas conturbadas.
O filme explora, como tema central, a solidão e a necessidade de conexão – enquanto contrasta os personagens com o cenário de uma cidade agitada. Todos parecem alienados do seu meio, indiferentes à agitação externa. Suas atuações não são naturalistas: estão sempre ou muito agitados ou muito letárgicos, como se dopados ou entorpecidos.
Para reforçar a ideia de artificialidade, o diretor de fotografia Christopher Doyle usou lentes grande-angulares, distorcendo rostos na tela e transmitindo seu isolamento do mundo. Um contraste acentuado entre agitação e abatimento permeia várias cenas – como aquela em que uma briga acontece fora de foco, enquanto uma personagem, em primeiro plano, fuma um cigarro e come noodles, esmorecida. Uma cena que chega a ser, até certo ponto, cômica.
Há no filme uma ênfase na atmosfera em detrimento da estrutura, além de uma recusa em se definir por um gênero. Mistura thriller policial, comédia e romance sem a menor preocupação em se firmar em qualquer um deles.
Em suma: adorei.