O Sanatório Ampulheta é um filme surrealista polonês de 1973, dirigido por Wojciech Jerzy Has e estrelado por Jan Nowicki, Tadeusz Kondrat, Mieczysław Voit, Halina Kowalska e Gustaw Holoubek. Também é conhecido como The Sandglass em países de língua inglesa.

A história segue um jovem judeu chamado Joseph (Jan Nowicki), que visita seu pai moribundo em uma espécie de “sanatório místico”, onde o tempo não se comporta de maneira usual.

Ao chegar no sanatório, percebemos que a noção de espacialidade é completamente confusa. O sanatório, que parece um hotel de luxo abandonado em um terreno baldio e próximo a um cemitério, tem apenas um médico e uma enfermeira para atender todos os pacientes — e não fica claro se eles mesmos não são também pacientes do local.

O tempo e o espaço no sanatório parecem se comportar de maneira completamente imprevisível, para não dizer aleatória. O personagem principal, em diversas ocasiões, se esgueira debaixo de uma cama ou de uma mesa e aparece em lugares inusitados, como no meio de uma rua enlameada, durante um estranho festival de fantasias.

A própria composição dos quartos e salas é tão difusa e misturada que não sabemos o que é dentro e o que é fora nesse espaço.

Embora Joseph seja sempre retratado como um adulto, seu comportamento e as pessoas ao seu redor frequentemente o tratam como uma criança, especialmente sua mãe.

Durante o filme, ele vai conhecendo pessoas e criando laços confusos com elas — algo que aparentemente se relaciona às afetividades aventureiras da infância, sua libido adolescente e sua maturidade, em um limbo temporal que parece não diferenciar passado, presente e futuro.

O filme é uma adaptação da coleção de contos de Bruno Schulz, Sanatorium Under the Sign of the Hourglass. Não se trata de uma obra fiel ao livro. Muitos estudiosos da literatura criticaram o filme por modificar substancialmente a obra original. No entanto, Jerzy Has se defende, afirmando que sua intenção não era reproduzir fielmente o livro, mas fazer uma homenagem à prosa escatológica de Schulz.

Se o filme fosse mais organizado ou literal, ele trairia essa ideia. Filmes como este apresentam sua história e seu significado não apenas no enredo (que, aliás, é o que menos importa aqui), mas na forma. Cinema puro. E o tempo provou que Has estava certo, pois, atualmente, muitos estudiosos da obra de Schulz recomendam este filme.

Acredito, inclusive, que para compreender o filme, é necessário conhecer não apenas a obra original, mas também o autor.

Bruno Schulz foi um novelista e pintor polonês de origem judaica, reconhecido como um dos expoentes da prosa polonesa do século XX.

O autor alimentou sua extraordinária imaginação com uma variedade de identidades e nacionalidades: um judeu polonês que falava iídiche, polonês e alemão. No entanto, não havia nada de cosmopolita nele; seu gênio se nutria do local e do étnico. Poucas vezes deixou sua cidade natal, e sua vida adulta foi a de um eremita.

Após a invasão alemã à Polônia, Bruno foi forçado, por ser judeu, a viver no gueto de Drohobycz, mas alguns relatos afirmam que ele estava “protegido” por um oficial da Gestapo que admirava seus desenhos. Durante as últimas semanas de sua vida, pintou um mural em sua casa de Drohobycz, no estilo que o caracteriza. Pouco depois de terminar o trabalho, foi fuzilado por um oficial alemão, rival do seu protetor, e o mural foi escondido.

A fragmentação do tempo e do espaço na adaptação de Wojciech Jerzy Has é tão coerente quanto a vida de um judeu na Polônia durante a Segunda Guerra Mundial. A arquitetura despedaçada do sanatório faz uma rima perfeita com a destruição dos lugares físicos na Polônia, onde as gloriosas arquiteturas de igrejas, casas senhoriais e castelos foram reduzidas a escombros, e o “dentro” e o “fora” se misturavam. Os judeus da época também se fragmentaram de diversas maneiras. As fases de desenvolvimento de um jovem judeu polonês não eram lineares. Suas afetividades aventureiras da infância e sua libido adolescente conviviam com responsabilidades adultas, como cuidar da casa, dos pais e da própria sobrevivência.

Não é por acaso que o filme enfatiza os aspectos judaicos do material original, especialmente logo após a campanha antissemita promovida pelo governo polonês em 1968, que forçou cerca de 30.000 judeus poloneses a deixar o país (vale lembrar que, embora a Polônia tenha sido antinazista, nunca deixou de ser antissemita).

As autoridades proibiram Has de enviar The Hourglass Sanatorium para o Festival de Cinema de Cannes de 1973, mas o diretor conseguiu contrabandear uma cópia para o exterior para que o filme fosse exibido no festival. O júri de Cannes, liderado pela atriz Ingrid Bergman, homenageou o filme com o Prêmio do Júri.

A estreia polonesa ocorreu em 11 de dezembro de 1973. O filme está entre os 21 clássicos do cinema polonês restaurados digitalmente escolhidos para Martin Scorsese Presents: Masterpieces of Polish Cinema.

Em suma, um filme desafiador que só cresce à medida que você aprende sobre ele.

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