Uma estudante, um ex-presidiário, um engenheiro, uma assistente social, um policial e um deficiente mental (parece que estou prestes a contar uma piada) estão presos como ratos em uma ratoeira, dentro de um labirinto de cubos interligados e sem saída aparente. Eles não têm ideia de como chegaram ali ou por que foram escolhidos. Sem a possibilidade de encontrar água ou comida, e após analisarem mais profundamente a situação, os seis descobrem que algumas salas possuem armadilhas com equipamentos destrutivos.

Como podemos definir Cube, filme canadense de 1997, dirigido e coescrito por Vincenzo Natali? Terror matemático, thriller kafkiano, surrealismo industrial, ficção científica geométrica ou tudo isso junto?

Na verdade, poucas pessoas perceberam que Cube é, na essência, uma versão experimental do filme Um Barco e Nove Destinos (Lifeboat, 1944), de Alfred Hitchcock, um dos melhores e mais subestimados filmes do mestre do suspense.

Assim como Um Barco e Nove Destinos, em Cube temos praticamente um filme de guerra que se passa todo em um cenário claustrofóbico e improvável. O barco, assim como o estranho cubo onde os personagens estão inseridos, se transforma no palco onde vemos o desenrolar de situações típicas de um filme desse tipo: combates, luta pela sobrevivência, estratégias, traições, sabotagens, tréguas e pactos.

A única diferença é que Cube é uma versão mais sombria e simbolicamente carregada nos menores detalhes. O elenco é formado por atores canadenses relativamente desconhecidos nos Estados Unidos na época do lançamento do filme. O nome de cada personagem está conectado a uma prisão do mundo real: Quentin (San Quentin, Califórnia), Holloway (Reino Unido), Kazan (Rússia), Rennes (França), Alderson (Alderson, Virgínia Ocidental), Leaven & Worth (Leavenworth, Kansas).

O filme também faz uso de uma abordagem bastante peculiar de jogos de videogame, especialmente jogos de plataforma: temos blocos que se movimentam, armadilhas, uma noção de quebra-cabeça, recompensas e punições, e até um conceito de fases. Cada personagem, assim como nos jogos, possui características que podem ser mais ou menos úteis dependendo da situação. Temos Kazan (Andrew Miller) como um autista sábio e mentalmente calculador, David Worth (David Hewlett) como um designer involuntário da estrutura externa do cubo, Quentin (Maurice Dean Wint) como um policial que logo assume o comando de forma agressiva (aliás, a transformação desse personagem ao longo do filme é espetacular – ele assume o papel de herói e vilão ao mesmo tempo), Leaven (Nicole de Boer) como uma jovem estudante de matemática, Dra. Helen Holloway (Nicky Guadagni), uma médica de clínica gratuita adepta a teorias da conspiração, Rennes (Wayne Robson), um conhecido “artista de fuga”, que já escapou de sete prisões, e, finalmente, Alderson (Julian Richings), o primeiro a morrer no cubo (com a morte mais impactante) e o único a não conhecer os outros.

Uma das melhores coisas do filme é que ele se desenvolve plenamente numa abordagem niilista. Não há explicação para o motivo de estarem ali. Os personagens (e certamente o público) se questionam sobre isso o tempo todo. Seriam eles criminosos e o cubo parte de uma sentença penal? Estariam sendo ensinados uma lição (como em Jogos Mortais)? Seria algum tipo de diversão sádica de ricos desumanizados? Não, aparentemente não há nada disso. O filme é tão simples quanto se pode descrever: há uma estrutura absurda de um grande e labiríntico cubo, composto por diversas salas cúbicas internas com armadilhas. Nesse espaço, são colocadas algumas pessoas comuns e aparentemente sem conexão, e elas, sem saber onde estão ou, muito menos, por que estão ali, vivem tentando sobreviver.

Todo o filme se desenrola nas tensões e ações dos personagens e se constrói em uma situação dada e não justificada. Alguns críticos veem isso como um defeito. Eu vejo como um dos maiores méritos do filme.

É um filme de premissas. Concordo com o portal Bloody Disgusting quando diz que a atuação de má qualidade e o roteiro fraco não prejudicam nem um pouco um filme que habilmente trabalha premissas interessantes, boas doses de suspense, uma excelente direção e generosas porções de “gore” muito bem feito, quase que lascivamente perfeito.

Adoro quando uma obra artística se manifesta no mundo sem pedir licença ao público para existir. Meu Deus, como eu amo esse tipo de filme, onde a criatividade se manifesta livremente, sem indulgência, permitindo-se caminhar na borda do ridículo, do absurdo e do genial.

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