Crash talvez seja meu filme favorito de David Cronenberg.
A obra percorre, de maneira voyeurística, contemplativa e crítica, o universo dos fetiches — sendo incrivelmente sexy e perturbador. O fetiche, claro, é o tema central, mas não no sentido restrito do sexual (que, embora explícito, é colateral), e sim no aspecto simbólico, concentrado no carro. Este assume um papel protagonista, ressignificado como um símbolo randiano-futurista do triunfo da indústria, da engenharia, da velocidade, da razão e do capitalismo.
Lançado em meados dos anos 1990, em meio à ressaca da vitória capitalista sobre o comunismo, Crash também expressa um desejo reprimido e frustrado de revolução, que se traduz em uma violência de viés anarco-niilista. Nesse sentido, ao lado de Clube da Luta, o filme é uma das melhores representações da vertigem característica dos anos 1990.
Esse anseio por destruição se reflete justamente no fetiche pelo acidente automobilístico — uma vontade sufocada de demolir o sistema, não para substituí-lo, mas pela destruição em si. Um impulso revolucionário não propositivo, que não almeja criar um novo mundo, mas sim uma forma híbrida formada da combinação “sangue, sêmen e óleo”. O acidente, aqui, é um viabilizador da simbiose entre homem, tecnologia e destruição.
Em suma, Crash é uma obra de arte — sem exagero.