Karim Aïnouz
2024
Não entendo como alguém que tenha um mínimo de conhecimento sobre cinema pode elogiar (ou até premiar) um filme que transborda amadorismo e carece de letramento simbólico.
★★★★★ 1/5
Taverna do Lugar Nenhum » Filmes » Cinema Brasileiro » Karim Aïnouz
"Bem diferente era o tio cônego. Esse tinha muita austeridade e pureza; tais dotes, contudo, não realçavam um espírito superior, apenas compensavam um espírito medíocre. Não era homem que visse a parte substancial da Igreja; via o lado externo, a hierarquia, as preeminências, as sobrepelizes, as circunflexões. Vinha antes da sacristia que do altar."
— Memórias Póstumas de Brás Cubas
Nos romances de Machado de Assis, fica claro o olhar crítico da sociedade, mas não fica explícito aquilo que ele tem por estima.
Criticar as máscaras de virtude não significa criticar os princípios desta virtude.
A maioria dos que se dispõem a analisar a obra de um autor o faz tentando colocá-lo dentro de suas próprias fileiras de pensamento, dentro do ímpeto da iconoclastia vulgar, que visa não apenas desconstruir a máscara, mas a própria essência.
Machado de Assis descreve, sim, a infidelidade das mulheres e a indiferença dos religiosos, ao mesmo tempo que preserva a ideia da fidelidade e da religião.
Pode ocorrer-lhe uma certa sensação de intangibilidade desses princípios mas, no geral, seu tom é de denúncia e correção moral; não por uma via moralista, de caretas e cenho franzido — mas a denúncia em tom de galhofa, não menos séria do que engraçada.
Isso se dá pelo escritor considerar o "brasileiro de sempre", que antes ri dos cornos de Lobo Neves do que se incomoda com o fato da traição, mas sem retirar da infidelidade o peso que lhe é próprio.
O brasileiro não se acanha pela vergonha, mas pelo ridículo.
Isso tudo foi mudando com uma gradual puritanização da moral pública que, por incrível que pareça, não veio dos religiosos ou do povo, mas daqueles encastelados nas universidades.
Um sintoma endêmico no Brasil é essa obsessão com a tal da "hipocrisia". Mas não é aquela hipocrisia que deve, sim, ser observada e corrigida; mas uma tal hipocrisia inventada, que se especula nos outros e nunca em si mesmo; pior, acusa-se de hipocrisia um outro inventado:
"Não adianta rezar quatro horas e depois chutar um morador de rua"
Sim, seu Júlio, sua "crítica" atingiu literalmente zero pessoas.
Agora, lanço aqui o desafio: consegues fazer caridade sem mídia, tal como o outro?
Mar 24
"Bem diferente era o tio cônego. Esse tinha muita austeridade e pureza; tais dotes, contudo, não realçavam um espírito superior, apenas compensavam um espírito medíocre. Não era homem que visse a parte substancial da Igreja; via o lado externo, a hierarquia, as preeminências, as sobrepelizes, as circunflexões. Vinha antes da sacristia que do altar."
— Memórias Póstumas de Brás Cubas
Nos romances de Machado de Assis, fica claro o olhar crítico da sociedade, mas não fica explícito aquilo que ele tem por estima.
Criticar as máscaras de virtude não significa criticar os princípios desta virtude.
A maioria dos que se dispõem a analisar a obra de um autor o faz tentando colocá-lo dentro de suas próprias fileiras de pensamento, dentro do ímpeto da iconoclastia vulgar, que visa não apenas desconstruir a máscara, mas a própria essência.
Machado de Assis descreve, sim, a infidelidade das mulheres e a indiferença dos religiosos, ao mesmo tempo que preserva a ideia da fidelidade e da religião.
Pode ocorrer-lhe uma certa sensação de intangibilidade desses princípios mas, no geral, seu tom é de denúncia e correção moral; não por uma via moralista, de caretas e cenho franzido — mas a denúncia em tom de galhofa, não menos séria do que engraçada.
Isso se dá pelo escritor considerar o "brasileiro de sempre", que antes ri dos cornos de Lobo Neves do que se incomoda com o fato da traição, mas sem retirar da infidelidade o peso que lhe é próprio.
O brasileiro não se acanha pela vergonha, mas pelo ridículo.
Isso tudo foi mudando com uma gradual puritanização da moral pública que, por incrível que pareça, não veio dos religiosos ou do povo, mas daqueles encastelados nas universidades.
Um sintoma endêmico no Brasil é essa obsessão com a tal da "hipocrisia". Mas não é aquela hipocrisia que deve, sim, ser observada e corrigida; mas uma tal hipocrisia inventada, que se especula nos outros e nunca em si mesmo; pior, acusa-se de hipocrisia um outro inventado:
"Não adianta rezar quatro horas e depois chutar um morador de rua"
Sim, seu Júlio, sua "crítica" atingiu literalmente zero pessoas.
Agora, lanço aqui o desafio: consegues fazer caridade sem mídia, tal como o outro?
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Dezoito Primaveras (1997, Ann Hui)
⭐⭐⭐⭐
O romance não consumado é um tema que dói ao coração e parece doer no coração de todos os povos, em todas as épocas, em qualquer contexto. E a universalidade desse tema faz desse filme, mesmo chinês, muito familiar.
Crítica completa aqui:
https://tavernadolugarnenhum.com.br/resenha/dezoito-primaveras/
Mar 24
Dezoito Primaveras (1997, Ann Hui)
⭐⭐⭐⭐
O romance não consumado é um tema que dói ao coração e parece doer no coração de todos os povos, em todas as épocas, em qualquer contexto. E a universalidade desse tema faz desse filme, mesmo chinês, muito familiar.
Crítica completa aqui:
https://tavernadolugarnenhum.com.br/resenha/dezoito-primaveras/
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bracinhos ...
DRIP ...
Dom Jaime de Barros Câmara (DRIP) retratado pelo pintor francês Serge Ivanoff em 1947.
Mar 21
Dom Jaime de Barros Câmara (DRIP) retratado pelo pintor francês Serge Ivanoff em 1947. ...
DRIP ...
Kurt ...
DRIP ...
📷 Eren Sarigul ...
Abertura do álbum Fantasy (Gensoukyoku, 1983), de Akina Nakamori.
A letra é, basicamente, uma série de perguntas:
"Você está trabalhando muito?" , "Já foi viajar?", "Está escrevendo cartas?", "Está fazendo ligações longas?", "Está assistindo filmes?" "Está ouvindo bons discos?", "Consegue dormir à noite?", "Está sofrendo?", "Está feliz?"
Mar 18
Abertura do álbum Fantasy (Gensoukyoku, 1983), de Akina Nakamori.
A letra é, basicamente, uma série de perguntas:
"Você está trabalhando muito?" , "Já foi viajar?", "Está escrevendo cartas?", "Está fazendo ligações longas?", "Está assistindo filmes?" "Está ouvindo bons discos?", "Consegue dormir à noite?", "Está sofrendo?", "Está feliz?"
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Boat People é um filme dirigido pela cineasta honconguesa Ann Hui, lançado em 1982.
Dentre os filmes que vi até agora, este é, sem dúvida, o melhor e também o mais controverso.
A história se passa no Vietnã pós-guerra, acompanhando Akutagawa, um fotojornalista japonês alinhado ao regime comunista, que documenta a vida no país. Inicialmente otimista, ele logo testemunha a pobreza, repressão e violência do regime. Em Danang, conhece Cam Nuong, uma jovem cuja mãe trabalha como prostituta para sustentar os filhos, Nhac e Lang.
Desiludido, Akutagawa vende sua câmera para ajudar Cam e Lang a fugir em um barco precário, rumo a segurança.
O termo "boat people", que dá título ao filme, refere-se aos refugiados que fugiam de seus países em embarcações precárias, muitas vezes enfrentando condições extremamente perigosas em busca de asilo e melhores condições de vida. Esse fenômeno ganhou destaque global após a Guerra do Vietnã, quando milhões de vietnamitas, cambojanos e laosianos fugiram de perseguições políticas, conflitos armados e pobreza.
Os principais destinos eram países do sudeste asiático, como Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas e, principalmente, Hong Kong, então um protetorado britânico.
O contexto político do filme é complexo, assim como sua repercussão e produção.
Curiosamente, trata-se de um filme com nuances anticomunistas, protagonizado por um japonês e produzido com a cooperação do governo da República Popular da China.
Para entender essa aparente contradição, é necessário desvencilhar-se de noções simplistas sobre política.
As relações entre os países comunistas da região eram marcadas por tensões e rivalidades, muitas vezes mais intensas do que as que existiam com os países capitalistas.
Ann Hui, como boa honconguesa, ficou no meio desse fogo cruzado entre comunistas, dentro de um protetorado que assistia de camarote uma competição pra ver quem era o pior.
No meio disso tudo, ela enfatizou, diplomaticamente, que sua intenção não era fazer um filme anti-vietnamita, mas sim retratar o sofrimento de pessoas reais. Aquelas que esquecemos que existem no meio de todas essas fantasias ideológicas.
Em suma, filme sensacional.
⭐⭐⭐⭐⭐
Mar 17
Boat People é um filme dirigido pela cineasta honconguesa Ann Hui, lançado em 1982.
Dentre os filmes que vi até agora, este é, sem dúvida, o melhor e também o mais controverso.
A história se passa no Vietnã pós-guerra, acompanhando Akutagawa, um fotojornalista japonês alinhado ao regime comunista, que documenta a vida no país. Inicialmente otimista, ele logo testemunha a pobreza, repressão e violência do regime. Em Danang, conhece Cam Nuong, uma jovem cuja mãe trabalha como prostituta para sustentar os filhos, Nhac e Lang.
Desiludido, Akutagawa vende sua câmera para ajudar Cam e Lang a fugir em um barco precário, rumo a segurança.
O termo "boat people", que dá título ao filme, refere-se aos refugiados que fugiam de seus países em embarcações precárias, muitas vezes enfrentando condições extremamente perigosas em busca de asilo e melhores condições de vida. Esse fenômeno ganhou destaque global após a Guerra do Vietnã, quando milhões de vietnamitas, cambojanos e laosianos fugiram de perseguições políticas, conflitos armados e pobreza.
Os principais destinos eram países do sudeste asiático, como Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas e, principalmente, Hong Kong, então um protetorado britânico.
O contexto político do filme é complexo, assim como sua repercussão e produção.
Curiosamente, trata-se de um filme com nuances anticomunistas, protagonizado por um japonês e produzido com a cooperação do governo da República Popular da China.
Para entender essa aparente contradição, é necessário desvencilhar-se de noções simplistas sobre política.
As relações entre os países comunistas da região eram marcadas por tensões e rivalidades, muitas vezes mais intensas do que as que existiam com os países capitalistas.
Ann Hui, como boa honconguesa, ficou no meio desse fogo cruzado entre comunistas, dentro de um protetorado que assistia de camarote uma competição pra ver quem era o pior.
No meio disso tudo, ela enfatizou, diplomaticamente, que sua intenção não era fazer um filme anti-vietnamita, mas sim retratar o sofrimento de pessoas reais. Aquelas que esquecemos que existem no meio de todas essas fantasias ideológicas.
Em suma, filme sensacional.
⭐⭐⭐⭐⭐
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