Better Call Saul – Reflexão sobre a queda de Jimmy McGill da primeira até a quinta temporada

Better Call Saul é uma série que acompanha a jornada de Jimmy McGill, ou melhor, Saul Goodman, o advogado canastrão da aclamada série Breaking Bad.

Escrita por Vince Gilligan e Peter Gould, a série vem angariando elogios dentro e fora do universo de fãs da série original.

Assim como o personagem Saul Goodman, a premissa de uma “prequência” parecia soar um tanto “canastrona”. Afinal, como todos sabemos, produtos culturais nascidos nesses axiomas – de aproveitar o embalo do sucesso de outro produto cultural com uma reputação já bem estabelecida – costumam ser de qualidade bastante duvidosa.

Felizmente não é o caso de Better Call Saul.

A primeira temporada de Better Call Saul provou que a série poderia muito bem caminhar com as próprias pernas e se estabelecer como um produto cultural respeitável.

Tanto direção e o roteiro refinados quanto a composição imiscível de humor e drama sombrio colocam Better Call Saul num patamar bem próximo de grandes séries como Fargo e o próprio Breaking Bad.

Da primeira até a quarta temporada, nós vemos a gradual transformação de Jimmy McGill em Saul Goodman, o “Slippin Jimmy with a law degree”.

Os conflitos morais aqui de Jimmy são cada vez mais diluídos ao passar do tempo.

Jimmy vai tendo uma relação cada vez mais uniforme com sua canalhice, como se estivesse aceitando que esse incorrigível traço de sua personalidade lhe é inescapável e não há nada que ele possa fazer pra mudar (o ceticismo das pessoas ao seu redor na capacidade dele mudar também contribui com isso).

Sua postura atua como um manifesto da sua filosofia distorcida, que divide o mundo entre “lobos e ovelhas”, cabendo as pessoas decidirem em qual lado vão estar.

Enquanto vemos Jimmy caminhar por esse vale cinzento, tentando lidar com sua inconstância moral, outros personagens são apresentados na série. Um dos mais interessantes, sem dúvidas, é Chuck McGill – irmão de Jimmy.

Ao longo das três primeiras temporadas, Chuck é mostrado como um advogado bem-sucedido e tão honesto que podemos considerá-lo a perfeita antítese do nosso protagonista.

Na série, ele também é mostrado como um homem atormentado por uma doença psicossomática, que faz com que ele acredite que tenha uma hipersensibilidade com eletricidade.

Essa paranoia (que pra ele é bastante real) faz com que ele fique aprisionado voluntariamente numa quarentena dentro de sua própria casa, onde todos os aparelhos elétricos são desligados.

Jimmy é o único a cuidar do seu irmão, levando tudo que é necessário para sua sobrevivência: desde jornais, produtos do supermercado até gelo, para preservar os alimentos.

Mais do que uma simples antítese de Jimmy ou uma figura excêntrica, Chuck é uma peça importante no desenvolvimento da personalidade de Jimmy.

Chuck é seu herói, seu irmão e seu inimigo.

Há em Chuck, ao mesmo tempo, amor fraterno e desprezo pelo irmão – assim como uma ambivalente relação entre inteligência e doença mental.

A combinação de inteligência e arrogância com uma visível patologia psicossomática é catastrófica para Chuck.

Ele é incapaz de aceitar o arrogo de uma mente que seja capaz de vencer pleitos jurídicos formidáveis, adquirir uma cultura assombrosa e que também seja também capaz de lhe pregar peças, inventar doenças inexistentes e colocá-lo em situações ridículas e vexatórias.

A ruína de Chuck na terceira temporada é refletida também numa certa ascensão de Jimmy McGill – na premiação da inteligência ladina de Jimmy contra a inteligência tradicional do irmão.

A morte de Chuck (no final da terceira temporada) liberta Jimmy de qualquer ideia de compromisso de dívida que ele pudesse ter com o mundo. Foi sua carta de alforria.

Na quarta temporada, vemos que a transformação de Jimmy McGill em Saul Goodman acontece de forma acelerada: mais cínico, mais manipulador e mais desavergonhadamente envolvido com criminosos e ações ilícitas.

Outra personagem que merece atenção é Kim Wexler, parceira de Jimmy.

Ela arremata um universo próprio tão interessante que merecia uma série própria – é a figura sempre presente nos arredores de Jimmy e até se torna co-participante dos seus esquemas fraudulentos, que vão escalando – episódio a episódio.

Sua importância é reforçada na quinta temporada, aclamada como uma das melhores temporadas da série.

A quinta temporada, ou a ‘verdadeira segunda temporada’

O senso de honestidade de Jimmy foi ficando gradativamente mais anêmico e finalmente morre no último episódio da quarta temporada.

Podemos considerar as quatro primeiras temporadas de Better Call Saul como uma “grande primeira temporada” e a quinta como a “verdadeira segunda temporada” pois, aqui, a história caminha para algum lugar.

As quatro primeiras temporadas mostraram “a causa”, a quinta mostra “a consequência” do caminho escolhido pelo personagem principal.

Jimmy, agora “amigo do cartel”, está preso e envolvido no tentacular negócio do narcotráfico. Uma rede complexa que envolve grandes esquemas de logística, empresas de fachada, bocas e delegacias corruptas.

Um mundo que exige uma compulsória e inescapável “troca de favores”.

Para Jimmy, acabou o prazo de validade para avaliar riscos ou reaver uma consciência moral. A única forma de sair disso é morrendo.

A situação só piora quando vemos que Jimmy forçosamente arrasta Kim para o mesmo abismo e ela, fatigada da segurança e da retidão das caretas normas do império da lei e da civilidade, apaixonada pela adrenalina (que era visivelmente reprimida nas temporadas anteriores) e, também, apaixonada por Jimmy, resolve assumir de vez seu papel de cúmplice – uma espécie de romantismo Bonnie e Clyde.

Não há mais em Jimmy aquele sorriso ladino. Ele está apavorado (aliás, bela atuação de Bob Odenkirk). Seu encontro mais brutal com o núcleo do narcotráfico foi no meio de um tiroteio – nada poderia ser mais traumático. Extremamente mais tenso que sua experiência no deserto com Tuco.

Ao arrastar Kim para esse mundo, sua tensão aumenta pois suas escolhas perigam, como ele bem sabe, de trazer grande risco para a única pessoa que, aparentemente, ele conseguiu amar (fora Chuck, embora alguns vão achar controverso).

Não sabemos o que poderá vir da sexta temporada de Better Call Saul, apenas orem pela Kim.

 

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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