Este é o primeiro filme de Satoshi Kon que assisti (e não, ainda não vi ‘Perfect Blue’).
A história se passa em um futuro próximo, onde uma inovadora terapia de sonhos é desenvolvida, permitindo que terapeutas acessem os sonhos de seus pacientes por meio de um dispositivo.
A protagonista, Dra. Atsuko Chiba, utiliza a persona de “Paprika” em seus próprios sonhos para ajudar alguns pacientes a resolverem seus conflitos internos.
Este dispositivo está em fase de teste e é usado apenas por algumas pessoas, com um controle extremo sobre seu acesso.
O conflito da história se desenrola quando uma das unidades do dispositivo é roubada e usada para invadir a mente das pessoas de forma perigosa, confundindo a linha entre realidade, ficção e sonhos. Isso leva as pessoas a agirem na vida real como se estivessem em seus sonhos, inclusive levando-as ao suicídio.
O tema do conflito entre o mundo interior e o mundo exterior não é novo, e essa aparente contradição é frequentemente abordada, seja na filosofia, seja na psicologia.
Paprika, como mencionei, é o alter ego onírico da Dra. Atsuko Chiba. Enquanto a doutora é uma pessoa séria e racional, seu alter ego onírico, longe das limitações do mundo material, se manifesta de forma completamente oposta, sendo uma entidade mais vivaz e expressiva, quase infantil. O filme traz uma discussão interessante sobre identidades, mostrando que, quando estamos acordados, somos apenas uma parte de nossas identidades. Há até uma fala notável de Paprika que afirma que nossa persona onírica não é tão diferente de nossa persona virtual, recriando a ideia de que o ambiente virtual é uma simulação dos sonhos, e não da realidade. Nesse tema, percebemos a influência da Trilogia do Sprawl de William Gibson (pelomenos Neuromancer, que foi o único que consegui ler, um livro que é absurdamente interessante e, ao mesmo tempo, ridiculamente mal escrito).
Outro personagem muito interessante é o detetive Toshimi Konakawa, que é um dos pacientes da Dra. Atsuko Chiba. Ele utiliza sessões psicoterapêuticas “onírico-virtuais” com a entidade “Paprika” para lidar com crises de ansiedade relacionadas a um homicídio que não conseguiu resolver.
No filme, vemos que o eu onírico de Konakawa, ao contrário do eu onírico da Dra. Chiba, não é exatamente uma contradição, já que ele também é um policial no mundo dos sonhos. Isso se deve à sua história antes de ingressar na polícia, quando ele era um jovem cineasta que começou, mas não terminou, um filme policial experimental. Essa incompletude gerou nele uma necessidade de estender o sonho de sua persona criativa para o mundo real, recriando em sua vida o personagem que ele mesmo imaginou. Sua ansiedade é fruto de um descompasso do “policial ideal de filme” que ele criou pra si e o “policial real” que ele precisa ser e performar no dia-a-dia. BAITA PERSONAGEM.
Resumindo, há muitos outros detalhes que deixei de fora e que talvez eu perceba com mais clareza ao assistir pela segunda ou terceira vez.
Recomendadíssimo. Tem no Netflix.