Dentre todos os filmes que já assisti, esse é o mais evoliano.
Isso independente se o diretor tenha lido algo de Julius Evola ou que isso não fosse explícitamente manifesto.
Julius Evola, que estudou diversas tradições ao longo do mundo, nota nelas alguns aspectos similares – tradições nórdicas, mediterrâneas, polinésias, africanas e do extremo oriente parecem compartilhar de uma mesma ideia geral – a ideia da existência presencial supra-humana (divina) vivendo entre os mortais e sua relação com os fundamentos da realeza em todo mundo.
Antes do mundo se degenerar em explicar politicamente tudo, antes de reis, rainhas, príncipes e princesas se tornarem figuras meramente figurativas, a sua autoridade, no mundo tradicional, era baseada pela simples existência. Sua autoridade era emanada de uma “não ação”.
Pede para um monarquista hoje tentar defender sua posição nestes termos. Não existe – e nem é possível que exista mais, morreu. Hoje eles são caricaturas, com todo respeito aos meus colegas monarquistas.
Uma pessoa da realeza não necessita expressar qualidades visíveis e pragmáticas – não existia “um rei por mérito”. Reis, rainhas, princesas e príncipes desciam do céu, eram descobertos, não “eleitos”.
O Conto da Princesa Kaguya é um conto sobre realeza nos moldes mais tradicionais possíveis.
A princesa desce do céu, como uma dádiva da Lua, brota dentro de um brilhante talo de bambu, e é prontamente reconhecida por um homem simples (o homem que está mais próximo do estágio edênico, ou seja, não está envenenado pela dúvida). Mais evoliano que isso impossível.
Kaguya, mesmo vivendo com os mortais, sentindo com os mortais, tendo que se submeter a todo universo de cerimônias escravizantes, não deixa de manifestar, ora ou outra, sua natureza superior: ela toca maravilhosamente o koto sem nunca ter aprendido, demonstra saber os rígidos códigos de etiqueta de uma hora para outra e, desde a tenra infância, sabe a letra da canção Warabe Uta. Não existe nela o êxito do esforço e da dedicação, pois a curva de aprendizado é da nossa natureza mortal e inferior.
Toda sua jornada é pautada pelo drama da inadequação e da busca de “seu lugar”. Ela quer estar nesse mundo, mas não pertence a ele.
O final é belíssimo e melancólico.
Deuses não são felizes, deuses são o que são.
Isso que eu nem falei do desenho em si. Dentre todos os desenhos do Studio Ghibli, ele é o que mais se destaca pela técnica aquarelada, que combina com o tom tradicional do conto, como se feito em um pergaminho do período Edo.