As interfaces existem pois respeitam dinâmicas essencialmente binárias. Uma interface é algo entre “uma coisa e outra”.
Existe uma binariedade essencial em Matrix: zeros e uns, luz e trevas, bem e mal, píula azul e pilula vermelha, livre-arbítrio e destino.
Até mesmo para as pessoas que se consideram “gênero fluido”, não é possível explicar os degradês entre o masculino e o feminino sem essencialmente afirmar que existam esses dois polos essenciais.

Muitas obras incomodam o público, mas poucas obras parecem incomodar o próprio autor. E este parece ser o caso de Matrix e os Wachowskis.

Matrix se tornou um incômodo para os Wachowski da mesma forma que Tropa de Elite se tornou um incômodo para Wagner Moura.
Não apenas por ser essencialmente buscar suas referências essenciais na filosofia clássica, mas por oferecer uma narrativa que tem como objetivo descortinar a realidade diante das aparências.

Para quem está tão imerso nos dogmas do pós-modernismo, que relativiza aparência e realidade, o categorismo binário do primeiro Matrix deve incomodar – e muito.

Para muitos jornalistas, Matrix se tornou um símbolo criptofascista da “alt-right”.

Diante disso, Lana quer resgatar ou “ressucitar” a sua franquia.

Matrix “Resurrection” parece ser exatamente sobre isso.

No entanto, isso teve um custo.

Matrix Resurrections é essencialmente pós-moderno e traz consigo todos os seus desarranjos lógicos.

O filme é confuso ao mesmo tempo que é verborrágico – tal como o pós-modernismo.
Ele esconde um argumento ruim com narrativas pseudo-intelectuais elaboradas e se finge de genial apenas fazendo uma brincadeira boba de metalinguagem.

Sem prévios julgamentos de valor aqui, mas o desarranjo identitário de Lana Wachowski se reflete no dessaranjo filosófico de Matrix Resurrections.

Matrix Resurrections é essencialmente um filme de eloquência vazia, extremamente auto-referente, longo, chato, visualmente datado, com cenas de ação ruins (os dois ultimos pelo menos eram bons filmes de ação), com um roteiro vergonhoso, cheio de saídas fáceis (perdi a conta de quanto Deus ex machina eu percebi) e que só serviu para aplacar a ansiedade de Lana diante do legado da própria obra.

Não deu certo. O “criptofascista-platônico” e “cyber-sexy-leather-fetishy” Matrix de 1999 continua sendo um clássico e o gender-fluid-pos-moderno-lacaniano Matrix Resurrection é o PIOR filme da franquia.

Boas frases pra terminar:

“Em termos gerais, podemos afirmar que o livre pensamento é a melhor de todas as salvaguardas contra a liberdade. Aplicada conforme o estilo moderno, a emancipação da mente do escravo é a melhor forma de evitar a emancipação do escravo. Basta lhe ensinar a se preocupar em saber se quer realmente ser livre, e ele não será capaz de se libertar”

G.K. Chesterton

“A realidade virtual simplesmente generaliza esse processo de oferecer um produto esvaziado de sua substancia: oferece a própria realidade esvaziada de sua substancia, do núcleo duro e resistente do real – assim como o café descafeinado tem o aroma e o gosto do café de verdade sem ser o café de verdade, a realidade virtual é sentida como a realidade sem o ser. O que acontece no final desse processo é que começamos a sentir a própria “realidade real” como uma identidade virtual”

Slavoj Zizek

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