Acabei de assistir a Godzilla Minus One pela primeira vez.
Todos sabem que as versões americanas de Godzilla costumam valorizar mais o espetáculo e os efeitos visuais, enquanto as versões japonesas costumam ser mais simbólicas.
Não é novidade para ninguém que Godzilla, para os japoneses, é a projeção dos traumas de guerra e uma óbvia metáfora da bomba atômica.
O que há em comum em ambas é que não costumamos ver “heróis” com tanta saliência.
Godzilla Minus One é uma exceção.
A figura do protagonista aqui é bem salientada. Tão bem salientada que me causou uma certa estranheza positiva.
O filme se passa em um Japão social e economicamente devastado após o término da Segunda Guerra Mundial. O país, que estava se reerguendo do “zero”, se viu obrigado a se reerguer do “menos um” quando uma gigantesca e misteriosa criatura surge do mar e começa destruir as cidades.
Sob esse pano de fundo, temos Kōichi Shikishima, nosso herói; um piloto Kamikaze que decide fugir do seu dever, mentindo que seu avião estava com problemas mecânicos e pousando na Ilha Odo. Essa mesma ilha é repentinamente atacada pelo monstro gigantesco.
Shikishima é o único piloto e o único que poderia combater o monstro naquele momento, mas se vê paralisado ao constatar que seu sacrifício seria inútil.
Por duas vezes Shikishima foge do seu dever.
Traumatizado pelas mortes e profundamente afetado pela culpa, Shikishima então se une a um grande grupo de civis e veteranos de guerra para finalmente derrotar o monstro, que torna-se o reflexo de si mesmo e da sua redenção.
O filme ainda explora o co-protagonismo coletivo através de uma valorização do nacionalismo japonês, destacando aquilo que ele tem de melhor (senso de dever, honra, organização, engenhosidade, virtudes cívicas e senso orgânico de comunidade) e evitando aquilo que ele tem de pior (fanatismo, ufanismo, imperialismo e xenofobia).
Nunca vi isso sendo tão bem trabalhado num filme do Godzilla até perceber que não estava vendo exatamente um filme do Godzilla, mas uma versão de Independence Day.
Sim, podem me chamar de maluco, mas Godzilla Minus One é, no final das contas, “um filme americano dos anos 90” que atravessou o Pacífico e atracou no Japão. Isso mesmo que você leu.
Até algumas cenas parecem remeter ao clássico pipocão americano dos anos noventa.
Godzilla Minus One tem toda a estrutura de um filme montado na mesma articulação entre nacionalismo acrítico (pois ninguém liga para sua crítica) e heroísmo individual de Independence Day.
Isso praticamente sumiu do cinema americano, que está ocupado em lubrificar pautas identitáris e pedir desculpas.
Godzilla Minus One é o melhor filme americano noventista feito no Japão dos anos 2020.