“Eu posso ouvir o Oceano” quase não é lembrado na filmografia do estúdio, tanto por ser um telefilme (exibido com exclusividade pelo canal de televisão Nippon TV) quanto por não ser um filme de Hayao Miyazaki ou Isao Takahata.

O filme é de Tomomi Mochizuki e se baseia num rainobe de Saeko Himuro.

Rainobe é um romance rápido e ilustrado, que no Japão normalmente é lançado em folhetins de revistas para jovens – geralmente em formato A6. Também são vendidos em bancas, com um preço extremamente acessível (coisa de troco de bala mesmo – e as vezes são troco de bala mesmo).

As histórias são simples e diretas, geralmente com parágrafos curtos, descrições rápidas e rico uso de diálogos – tudo para facilitar uma leitura mais ágil.

É importante saber o que é um Rainobe para entender o filme, pois ele coaduna perfeitamente com a proposta.

“Eu posso ouvir o Oceano” foi uma tentativa de o Studio Ghibli viabilizar que seus funcionários mais jovens pudessem produzir um filme razoavelmente barato e com distribuição limitada.

Acontece que a simplicidade é algo que favorece e muito as narrativas do Studio Ghibli.

Dois anos antes eles haviam lançado o excelente “Memórias de Ontem” (1991), um dos seus melhores e mais simples filmes.

Em “Eu posso ouvir o Oceano” você não encontra ilhas voadoras ou monstrinhos.

A história de “Eu Posso Ouvir o Oceano” é uma história simples e ordinária que acontece num curto período escolar de dois anos.

É filme de descoberta amorosa no ambiente escolar, onde vemos dois amigos conduzirem uma história envolvendo uma nova garota “outsider” transferida de Tokyo – que ambos acabam se apaixonando.

Não cabe aqui explicar a trama, pois ela é o desenrolar disso – sem muitas surpresas, elaborações complexas ou profundamente reflexivas.

As recorrentes críticas deste filme, de que “não acontece nada”, refletem nada mais do que ansiedade embrutecida e uma completa cegueira diante do lirismo contido na trivialidade do quotidiano.

Acredito que só consegui gostar desse filme depois que li Chesterton.

Não, não há nenhum subtexto de apologética cristã nesse filme, mas há muito daquela mansidão remansosa que permeia a vida ordinária que Chesterton sempre admiro e me ensinou a admirar.

Eu só consigo gostar de uma história comum pois Chesterton me fez enxergar a beleza divina contida no homem comum, na mulher comum e nos seus filhos comuns.

O filme é excelente naquilo se propõe: uma jornada completa dentro de um fragmento de uma vida comum.

Sem batalhas épicas, sem heroicas jornadas de crescimento e sem a p*rra de uma sabedoria milenar sofisticada nas entrelinhas. O que temos aqui é apenas jovens vivendo os dois últimos anos no colégio.

Esse filme emula uma sensação de sentar no sofá e passar os olhos por um punhado de fotografias espalhadas no chão.

Chesterton me ensinou também a ser hipster e prefeir o analógico ao digital.

Sim, o filme evoca essa sensação de nostalgia analógica.

Não que fosse sua intenção, mas em retrospecto, de reassistir esse filme em 2024, essa característica se salienta.

As transições do filme são demarcadas por algumas imagens congeladas em polaroide.

Uma sensação que provavelmente já não vai existir mais na próxima geração.

Há outras coisas que valem a pena comentar sobre o filme, como o nível de detalhes dos “figurantes” em cena (é incrível como o Studio Ghibli consegue colocar ALMA em todos os figurantes de fundo em seus desenhos) e o cuidado de detalhes para transformar a experiência crível e imersiva (como é de costume do Studio Ghibli) – mas isso tomaria tempo demais e deixaria essa humilde resenha um pouco cansativa (inclusive pra mim).

Apenas assistam.

O filme é curto, tem pouco mais que 1 hora – mas vale a pena.

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