O monstro Ngakola e os papeis femininos e masculinos

Mircea Eliade em seu livro “O Sagrado e Profano”, na parte em que comenta sobre as sociedades masculinas e femininas, cita alguns interessantes ritos iniciáticos de tribos africanas como Mandja e Banda.

Existe uma sociedade secreta chamada Ngakola, que tem esse nome em referência a um monstro que tinha o poder de matar os homens, engolindo-os, e vomita-los em seguida, renovados.

Para entrar nessa sociedade, o neófito (que deve ser um jovem púbere e masculino da tribo) é introduzido numa choupana que simboliza o corpo do monstro. Dentro dessa cabana, o mestre da iniciação imita a voz lúgubre de Nagkola e manda chicotear e submeter o jovem as torturas rituais pois, segundo lhe dizem, ele “entrou no ventre de Ngakola” e está prestes a ser digerido.

Depois de um tempo passando por estas provações, o mestre da iniciação anuncia finalmente que Ngakola, que comera o neófito, está pronto para vomitá-lo de volta, renovado.

Vejam que interessante é o caráter assumidamente teatral e performático destes ritos e como, mesmo assim, não há qualquer idealização meramente simbólica destes gestos. A cabana, que é previamente construída para o rito, não é apenas ressignificada no momento da consagração, ela se transforma de fato na besta mitológica.

As mulheres, na sua primeira menstruação, também são destinadas aos seus rituais próprios de iniciação.

Ela é separada do grupo, afastada da família, e isolada numa cabana especial no meio da selva, de preferência num canto escuro. Ela deve-se manter numa posição específica, vestida de uma maneira especial e só é nutrida pela mestra iniciática com o conselho das velhas monitras com alimentos crus.

É difícil saber exatamente o que simboliza cada detalhe deste rito (como por exemplo os alimentos crus), mas geralmente a reclusão nas sombras e o reaparecimento depois de dias é uma recorrência iniciática que simboliza morte e ressureição.

Além de todo significado sagrado, também podemos dizer que esses ritos são muito úteis para a manutenção da tribo.

Numa guerra, o homem precisa aguentar dores físicas para continuar lutando e a mulher, por sua vez, precisa saber se esconder no meio da mata, ficar em silêncio e nutrir-se de alimentos crus, até que toda contenda seja resolvida e eles possam se reunir novamente.

Vejam que existe um belíssimo e implícito acordo de complementariedade entre os sexos, assim como vocações específicas para homens e mulheres que são baseadas numa percepção realista da natureza de ambos e das suas pré-disposições naturais – tudo isso ritualizado nos costumes e nos mitos.

 

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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