The Sopranos e uma entusiástica ode a Televisão

Em 1923, o intelectual italiano Ricciotto Canudo criou um manifesto em defesa da inclusão do cinema no cânone criado por Hegel a respeito das belas artes. Arquitetura, escultura, dança, pintura, música e poesia conheceriam pela primeira vez sua sétima irmã: o cinema – uma forma de arte completa que trabalhava tanto o “espaço” das três primeiras quanto o “tempo” das restantantes.

O curioso é que, até então, o cinema era tido como uma arte menor – um mero entretenimento.

Aos poucos, a medida que o cinema foi ganhando respeito como arte sofisticada, a fama de “arte menor” foi se transferindo para a televisão.

Conhecemos o cinema como expressão artística – mas normalmente não relacionamos isso com televisão.

David Chase, criador de Sopranos, muda isso completamente. Ele poderia ser um cineasta como Fellini ou Scorsese – no entanto, sua vida ao longo dos anos 70, 80 e 90 o encaminhou para o mundo da televisão e fez dela palco de sua poderosa elocução.

Sua primeira ideia é que Sopranos fosse um filme – mas, graças a Deus, essa idéia foi logo descartada.

Somente o formato da TV, com sua paciente construção episódica, servida em doses homopáticas semanalmente, seria capaz de ser anfitriã de tantas boas ideias e tantos personagens interessantes. O cinema, por mais respeitável que seja, não daria conta de sintetizar a detalhada carpintaria de roteiro proposta em Sopranos.

David Chase mudou o modo que vemos televisão. Podemos dizer até mesmo que o formato de “séries” está mais próxima da literatura do que o cinema. Até mesmo as pausas entre uma leitura e outra (essenciais para livros muito grandes) coadunam com o hiato de tempo entre um e outo episódio. Hoje em dia, não dá mais para ver a TV como algo menor que o cinema.

A trama de Sopranos, como todos sabem, gira em torno de um gangster suburbano de Nova Jersey, Tony Soprano, e a complicada interação entre sua vida criminosa e familiar com os papéis cíveis de marido e pai.

A saga de Tony é um estudo sutil de personagem e um tratado sobre a masculinidade moderna, contada com detalhes romancistas e metáforas literárias, pontuada por explosões ocasionais de violência brutal e humor estridente.

Quando The Sopranos estreou na rede em 10 de janeiro de 1999, os críticos desmaiaram coletivamente.

A HBO atraiu um público recorde e viu uma aclamação quase consensual da crítica. Demorou apenas alguns meses para os países europeus começarem a abocanhar os direitos de transmissão da série. Apenas o público italiano – talvez ironicamente, talvez compreensivelmente – foi reticente sobre um show apresentando um gangster ítalo-americano neurótico.

Agora, décadas após a estreia do programa nos Estados Unidos, é impossível não exagerar a influência dos Sopranos na televisão em todo o mundo. Sem Sopranos não haveria Breaking Bad, Sons of Anarchy e Mad Men.

Sopranos pavimentou o caminho para o alcance cinematográfico das séries – colocou-as num outro nível – tanto de qualidade quanto mercadológico. Não é possível nem mesmo pensar em Game of Thrones sem Sopranos, por exemplo.

Até mesmo as comédias adotaram algumas de suas características, incluindo personagens principais profundamente falhos e histórias tortuosas e altamente serializadas.

Sopranos foi o Big Bang da TV. Foi o show certo, no lugar certo e na hora certa.

Abaixo, as críticas do Taverna do Lugar Nenhum de todas as tempoadas da série.

The Sopranos
David Chase
1999
A série ilustra que além dos inexoráveis conceitos de certo e errado, de crime e legalidade, existem muitos níveis possíveis de empatia e que todos, absolutamente todos, não estão safos dos demônios internos ou da própria mente.
5/5
The Sopranos - Second Season
David Chase
2001
Apesar de não ter mais o fator "novidade" da primeira temporada, Sopranos continua sendo uma vitrine de um bom roteiro, uma direção inventiva e um brilhante desenvolvimento de personagens de múltiplas camadas.
3/5
The Sopranos - Third Season
David Chase
2002
A terceira temporada foi uma espécie de "teologia moral" que revela a íntima relação do mal com a omissão e conveniência. Tão boa quanto a primeira temporada.
4/5
The Sopranos - Fourth Season
David Chase
2002
David Chase tem a habilidade de não apressar as coisas. Vemos os principais personagens caminhando lentamente para o seu abismo particular.
4/5
The Sopranos - Fifth Season
David Chase
2004
Os personagens de Sopranos possuem complexidades dignas de peças como Ricardo III de Shakespeare. Além das autênticas questões shakesperianas, outras características clássicas desta série se mantém. Sopranos ainda mostra uma interessante justaposição do mundo brutal e às vezes glamuroso da Máfia com o mundo quotidiano apático das aparências cíveis.
5/5
The Sopranos - Sixth Season
David Chase
2006
A despedida de David Chase é uma carta criptografada.
5/5
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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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