A Grande Fuga, Op.133 (mais conhecida na ortografia alemã original Große Fuge), é uma composição de movimento único para quarteto de cordas de Ludwig van Beethoven.
Uma das coisas mais interessantes é que esta obra foi universalmente condenada pela crítica especializada na época.
A Allgemeine musikalische Zeitung (Jornal de Música Geral), um jornal publicado nos séculos XVIII e XIX e considerado o mais importante periódico musical de língua alemã de seu tempo, escreveu que a obra era “incompreensível, como o chinês”.
Analistas e críticos musicais, ao longo dos anos, descreveram a Grande Fuga como “inacessível”, “excêntrica”, “difícil” e “cheia de paradoxos”.
É tida como a obra mais problemática de Beethoveen e talvez a mais controversa da literatura musical.
No entanto, como a verdade é filha do tempo e não da autoridade, sua importância foi sendo cada vez mais notada e defendida ao longo dos anos.
Igor Stravinsky, compositor russo, foi um dos mais notáveis defensores da obra. Ele a descreveu como “uma peça musical absolutamente contemporânea e que será contemporânea para sempre”.
No entanto, além da música, o que torna a obra tão única no impecável repertório artístico do gênio alemão, e o que talvez explique algumas excentricidades que foram estranhadas na época, é o fato da obra ser composta quando Beethoven estava quase totalmente surdo e, ao mesmo tempo, completamente comprometido com um grande empreendimento pessoal;
Beethoven, nos últimos anos, tornou-se cada vez mais preocupado com o desafio de integrar a forma barroca na estrutura clássica de Haydn e Mozart.
Com a audição comprometida, esse ambicioso projeto se tornou uma batalha heróica de um cavaleiro que, mesmo perdendo a espada, continua marchando em direção ao dragão (desculpem, o Power Metal não sai de mim) ou uma luta titânica do gênero humano contra a decadência individual.
Em suma, o alvo de Beethoveen debilitado era a transcendência.
A Grande Fuga é um resultado desse processo e foi uma obra muito especial e querida por Beethoveen.
Em sua época, ele era o único que acreditava e defendia ela.
A bem da verdade, era o único que entendia ela de fato.
Dezenas de análises tentaram aprofundar a estrutura da Grande Fuga, com resultados conflitantes e sem conseguir, sequer, classificá-la num gênero específico.
A obra foi descrita como uma expansão da grande fuga barroca formal, como uma obra de vários movimentos “enrolada” em uma única peça, e como um poema sinfônico em forma de sonata.
O que menos Beethoveen queria fazer em sua música era adequá-la a uma estrutura pré-estabelecida.
No entanto, os paradoxos que a peça apresentava não eram fruto de uma revolta, eram a manifestação da vontade do compositor na criação de novas estruturas.
O impeto criativo de Beethoveen não era orientada numa visão revolucionária, onde para nascer o novo o velho deveria ser destruído. Não havia essa fetichização de “quebrar paradigmas”, mas de construir novos. Somar e não substituir.
Em resumo, a Grande Fuga não poderia ser entendida por críticos mesmo. Especialistas musicais não dariam conta de absorver a obra como ela merecia ser absorvida.
Os únicos capazes de perceber as intenções de Beethoveen seriam artistas, poetas e místicos.
O poeta Mark Doty escreveu um pequeno poema sobre a obra em 1995 que possivelmente supera todas as análises musicais já feitas desde o século XVIII:
What does it mean, chaos
gathered into a sudden bronze sweetness,
an October flourish, and then that moment
denied, turned acid, disassembling,
questioned, rephrased?
— Mark Doty, do poema “Grosse Fuge” (1995)