Os ritos funerários e a transcendência

É um consenso científico que o dia do homem paleolítico era alternado entre tentar se alimentar e procurar abrigo. Basicamente, qualquer esforço adicional a essa rotina poderia ser fatal e colocá-lo em risco.

Nessas condições extremas, o homem deveria se limitar ao que fosse eficiente e utilitário. Nenhum alimento poderia ser desperdiçado; nenhuma energia deveria ser gasta em vão.

No entanto, o que sempre intrigou os estudiosos foi a descoberta de que o homem paleolítico, de Chu-ku-tien até a costa ocidental da Europa, da África até o Cabo da Boa Esperança, da Austrália até a Tasmânia, e da América até a Terra do Fogo, se preocupava com ritos funerários.

De um ponto de vista prático, o abandono puro e simples dos corpos em matagais seria o esperado. No entanto, não era isso que acontecia. A imersão nos ritos funerários foi uma prática generalizada e recorrente. Os corpos dos homens paleolíticos eram cobertos com mortalhas, salpicados com ocre, colocados em posição fetal e rodeados de oferendas, conchas, penduricalhos, colares e ossos de outros animais. No Uzbequistão, ossos de crianças eram cercados por chifres de cabritos-monteses de uma espécie e idade específicas. Os rituais, segundo alguns relatos, poderiam durar até duas horas. Por que tanto esforço?

Os corpos dos mortos também eram acompanhados de bastões, como se houvesse a crença de que poderiam usá-los para caminhar. De onde surgiu a intuição de continuidade? O que poderia explicar essa “inextinguível sede ontológica” do homem, reduzido ao estágio mais básico de sobrevivência?

Uma explicação possível seria que, ao celebrar os mortos com rituais elaborados, essas sociedades reforçavam seus laços e fortaleciam um senso de identidade compartilhada, o que, de alguma forma, seria vantajoso em um contexto onde estar em grupo é mais seguro do que estar sozinho.

No entanto, considerando as suposições de Eliade, acredito que há algo além disso.

O homem isolado também praticava ritos funerários para seus despojos de caça. Crânios de animais eram encontrados empilhados em um local específico, em uma espécie de altar. Nada me tira da cabeça que havia algo maior que a vida que o homem esteve sempre tentando atingir.

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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