“Ó Senhor, grandes são os meus pecados! Ó Deus que desconheço, grandes são os meus pecados! O homem nada sabe; sequer sabe se peca ou pratica o bem. Ó Senhor meu, não rejeites o teu servo! Os meus pecados são sete vezes sete. Afasta os meus pecados!”
Este é um trecho de um dos salmos penitenciais babilônicos traduzido por Robert Francis Harper, um importante assiriologista e professor de línguas semíticas na Universidade de Chicago.
Existem muitas coisas interessantes neste trecho. A mais evidente é perceber que a oração aqui é dirigida a todos os deuses conhecidos e até àqueles que o autor da prece desconhece.
Essa bela oração é simultaneamente uma manifestação religiosa e agnóstica.
Note que há uma certa angústia por parte do autor em querer confessar seus pecados, mas sem saber a quem dirigir suas preces.
Isso pode revelar muitas coisas interessantes e até mesmo subverter muitas certezas que temos sobre a relação da religião com a ética, a moral e a culpa.
Normalmente, temos a ideia de que a religião incute a culpa nos homens e mostra os caminhos da redenção.
Percebam que, na verdade, o sentimento de culpa e o desejo de redenção existem no homem desde sempre. A ausência de um deus, ou um deus definido (como no caso do salmista), não vai libertar você dessa inquietação.
Isso é algo que percebemos até hoje.
Os meios mais antirreligiosos são os que, para mim, mais sofrem ao não saberem onde canalizar essa agonia existencial inerente.
Eles são os mais propensos a recriar novos altares, novos pecados, novas doutrinas, novas formas de fanatismo e novos deuses para adorar.
Talvez falte a humildade do salmista babilônico. Ele não sabia qual deus adorar, mas sabia que deveria haver algum por aí.