Inanna era considerada a Deusa da Vida e das Infinitas Manifestações da Vida na Mesopotâmia.
Uma das características mais marcantes de Inanna é sua tipicidade feminina. Isso significa que sua principal distinção era sua volatilidade.
Não era uma deusa estóica, controlada ou linear. Seu comportamento era uma manifestação pendular de extremos: ora era uma deusa de extrema capacidade de bondade e misericórdia, ora era uma deusa ressentida e vingativa.
Uma de suas histórias mais conhecidas foi quando ela se apaixonou pelo pastor Dumuzi, que se torna soberano na cidade de Uruque.
Inanna dedicava a ele todo seu corpo e toda sua poesia.
Ela dedicava as mais belas declamações de amor e erotismo do mundo antigo, ao mesmo tempo que o alertava sobre a desgraça que estava por vir:
“Oh meu amado, homem do meu coração, arrastei-te para um desejo funesto, tocaste-me os lábios com sua boca, apertaste-me os lábios contra sua cabeça, e por isso foste condenado a um destino funesto” (Le rite du mariage sacré Dumuzi-Inanna, Samuel-Noah Kramer)
O “destino funesto” ao qual ela se refere foi fixado no dia em que Inanna decidiu descer aos Infernos para enfrentar sua irmã mais velha, Ereshkigal.
Ereshkigal era uma deusa que, depois de ser violentada, tornou-se rainha do inferno e ressentida contra toda forma de bondade.
Inanna, por ser mais bela, menos ressentida, mais confiante e motivada pelo novo amor, acreditava que poderia enfrentar e substituir Ereshkigal como deusa do mundo inferior, tornando-o menos sombrio.
Ereshkigal submeteu Inanna a todos os tipos de dor e humilhação diante de cada portal, nos quais era obrigada a se despir de alguma jóia ou peça de roupa, até que chegou completamente nua e humilhada diante do trono da soberana infernal.
Inanna descobre que se sente envergonhada sem suas joias. Sua realeza era definida não por ela mesma, mas pelo que ela levava consigo. Suas joias eram seu poder, e seu poder poderia ser despojado.
Seu corpo torna-se inerte diante de Ereshkigal, pois, o terror dos terrores, ela descobre que não era tão diferente de sua odiosa irmã. Pior, descobre que não era diferente dos homens, que utilizavam joias como sinalização artificial de poder.
Ao fim de três dias, Inanna entende o que é o inferno e volta, com a ajuda de sua devotada amiga Ninshubur, seguindo as instruções que ela mesma havia dado.
Como o inferno é regido por decretos invioláveis, Inanna deveria fornecer um substituto.
Inanna então retorna à superfície escoltada por uma tropa de demônios, os galla; estes deveriam levá-la de volta ao Inferno caso ela não escolhesse um substituto.
Ao entrar na cidade de Uruque, Inanna descobre que Dumuzi, o pastor por quem se apaixonou, não estava lamentando sua ausência – pelo contrário, estava celebrando seu poder sentado em seu trono, ricamente vestido e satisfeito.
Ofendida com a felicidade de seu amado, Inanna aponta o dedo para Dumuzi e, sob lágrimas, grita para os demônios o levarem em seu lugar.
Eis que o “destino funesto” de Dumuzi se consuma. Uma das coisas mais interessantes é notar que as histórias antigas se sucedem em uma mistura de falsas impressões de livre-arbítrio suplantadas por um destino já determinado.
Inanna sabia que isso aconteceria – mesmo assim, os acontecimentos são sucedidos por surpresas. Ela ficou surpresa ao ver que era impotente no Inferno, e surpresa ao perceber que seu amado já a havia esquecido.
Essa história é também quase como o “mito da caverna” de Platão ao contrário, onde a perplexidade de Inanna se torna um mergulho nas trevas em vez da ofuscante luz a que estava acostumada.
É também um painel da volatilidade feminina e um aviso a todos que, por não conhecerem sua natureza, são incapazes de regular suas ambições.”