Écloga X – Conselho a um Amigo

A décima (e última) Ecloga de Virgilio revela muito da personalidade do poeta.

Ela descreve como Gaius Cornelius Gallus, um oficial romano em serviço ativo e seu amigo pessoal, foi abandonado por sua namorada Lycoris.

Gallus é imaginado como um pastor árcade, lamentando sua sorte e buscando distração na caça “com as ninfas” em meio às “clareiras partenianas”, lançando flechas cydonianas de um arco prata.

Gaius Cornelius Gallus, nascido no Forum Julii por volta de 70 aC, era um partidário de Otaviano, nomeado por ele como um dos comissários para distribuir terras entre seus veteranos no norte da Itália. Ele também era amigo e confidente de Virgílio e também era conhecido como escritor elegíaco, frequentemente elogiado por Ovídio e pelo próprio Virgilio.

Gallus tinha a couraça de um guerreiro, o coração de um poeta e uma mente de um menino.

Ele lutou e triunfou em Actium. Foi nomeado prefeito do Egito, mas cometeu suicídio em 26 aC por causa de um desentendimento com o Imperador e um trauma amoroso.

Esta Écloga descreve o trauma amoroso de Gallus. A perda de Lycoris, uma atriz célebre que no palco adotava o nome de Cytheris.

Segundo fontes históricas, ela o abandonou por um oficial do estado-maior de Agripa.

Gallus foi enviado para defender as águas italianas contra os saqueadores de Sexto Pompeu, durante a Guerra Perusina de 41-40 a.C.

Na sua ausência, Lycoris, sua amante na época, foi infiel a ele, seguindo um soldado do exército de Agripa até a Gália em 37 a.C.

Mesmo traído, Gallus pediu a Virgílio um poema pastoral na esperança de reconquistar seu amor.

O poema tem quatro partes: um endereço de 8 versos, uma introdução de 22 versos definindo o cenário, a fala de Gallus, ocupando 49 versos (quase exatamente metade do poema), e um posfácio de 8 versos.

Virgílio dirige o poema a Aretusa, ninfa da mitologia grega avessa ao amor, prometendo cantar para seu amigo Gallus, mas deixando espaço para que Lycoris também possa ler.

Virgílio retrata Gallus morrendo de amor na Arcádia, onde loureiros (sagrados a Apolo), murtas (sagradas a Vênus) e até as montanhas choraram por ele.

Náiades (deusas aquáticas) estão ausentes, mas um pastor de porcos e Menalcas (o próprio Virgílio disfarçado de vaqueiro) o atendem, junto com três deuses: Apolo, Silvano e Pã, que tentam consolá-lo.

Apollo informa que Lycoris seguiu outro homem pelas neves até um acampamento militar. Pan diz que o deus do Amor não se comove com lágrimas.

Gallus então começa a falar, elogiando os Arcadianos por suas canções e expressando o desejo de passar a vida com Lycoris entre nascentes, prados e florestas. Apesar de perceber que o deus do Amor não será abrandado por tais poemas, sua última frase é “o Amor tudo vence; cedamos também nós ao Amor” (omnia vincit Amor; et nos cedamus Amori), possivelmente acreditando que Lycoris se comoveria com essa declaração.

Virgílio encerra o poema dirigindo-se às Pierides (Musas), declarando que fez o poema para Gallus, cujo amor cresce a cada hora. No entanto, termina de forma anticlimática e cômica, dizendo algo como “bem, agora está tarde, é hora de levar as cabras para casa”, indicando que a vida continua e ele tem mais o que fazer.

São Tomás dizia que homens falam com palavras e Deus fala com palavras e coisas. Virgilio no entanto fala com poemas. O mais trivial dos assuntos de bar, como a “dor de corno” de Cornellius, na expressão virgiliana se transforma numa écloga cheia de música e deuses intrometidos. Infelizmente Gallus, apesar da virilidade do guerreiro e da sensibilidade do poeta, tinha a imaturidade de um adolescente.

“Gago demais”, como Virgilio deveria ter dito em algum momento.

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O podcast é apresentado por Gabriel Vince. Já foi estudante de filosofia, história, programação e jornalismo. Católico, latino e fã de Iron Maiden. Não dá pra ser mais aleatório que isso.

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