Na vastidão inexplorada da floresta amazônica, onde o calor e a umidade sufocante criam um manto quase tangível de febre, encontrei-me perdido, afastado de minha missão jesuítica. Meu nome é Padre Anselmo, e foi na selva impenetrável, um labirinto verde e hostil, que me deparei com um horror ancestral, um ser que desafiava tanto minha razão quanto a minha fé.
Era uma noite sem lua, e o manto escuro da floresta parecia sussurrar segredos antigos e profanos. O silêncio era absoluto, quebrado apenas pelo distante murmúrio do rio. Meu coração acelerava com cada passo, pois sabia que não estava sozinho. Uma presença parecia seguir-me nas sombras, movimentando as águas próximas de mim.
A história que os indígenas contavam sobre a Boiúna, a Cobra Grande, parecia uma lenda pagã, um mito criado para assustar os incautos. No entanto, ao caminhar por aquelas terras, na imensidão labiríntica daquela mata, senti que aquelas lendas não poderiam ser apenas fruto da imaginação – ou o diabo, me confundindo em meus próprios olhos, apresentando diante de mim, sem contestações, a materialização dos meus piores temores.
A água do rio, geralmente calma, começou a ondular de maneira inquietante. A lua, escondida pelas nuvens, de repente se revelou, refletindo-se num brilho estranho e metálico que emergia das profundezas. Antes que pudesse compreender o que estava acontecendo, vi a criatura. Sim, eu a vi! Seu corpo colossal e reluzente surgiu das águas, serpenteando com uma graça sinistra. Ela parecia sorrir e debochar da minha fé. Os olhos, como dois grandes archotes, irradiavam uma luz hipnótica, atraindo-me irresistivelmente.
Lembrei-me das palavras dos pajés: “Os olhos da Boiúna atraem os pescadores, fazendo-os pensar que é um grande barco”. Minha mente, lutando contra o terror crescente, tentou resistir, mas meus pés continuavam a mover-se em direção à besta. A proximidade revelou uma beleza peculiar; sua pele refletia o luar com um brilho ofuscante. Era bela e aterrorizante, uma criação das profundezas do inferno ou um mistério escondido do próprio Deus.
Enquanto tentava recuar, mais ela se aproximava, e a beleza que antes via começava a desaparecer, transformando-se na soma das minhas mais grotescas imaginações.
Sua presença era um lembrete cruel de que a Boiúna não era apenas uma lenda, mas algo real. Os pagãos estavam certos.
Tentei lembrar-me das preces, das palavras sagradas que poderiam me proteger, mas o pavor paralisava minha língua. Então, com um último esforço de vontade, Deus atendeu minhas intenções e consegui correr. A selva, antes um labirinto de desespero, tornou-se minha única esperança de sobrevivência. As histórias de Honorato, o homem que se libertava da maldição da Boiúna segundo o sábio pajé, ecoavam na minha mente como uma frágil esperança de que talvez, em algum lugar, existisse uma maneira de vencer aquela abominação.
Por dias vaguei perdido, o terror daquela noite perseguindo-me como uma sombra. Não sei como consegui escapar, mas acredito que foi a vontade divina que guiou meus passos. Ao finalmente encontrar outros humanos, meu relato foi recebido com ceticismo e incredulidade pelos meus amigos, mas com grande interesse pelos indígenas, meus novos confidentes e amigos. Eu sei o que vi. A Boiúna, a Cobra Grande, não é apenas uma lenda. Ela é real, uma manifestação do mal que habita as profundezas daquela selva enfeitiçada.
As sombras da selva continuavam a assombrar meus sonhos, e mesmo depois de regressar à segurança da missão, o terror daquela noite permanecia gravado em minha memória. A Boiúna não era apenas uma besta; ela era um símbolo de tudo que é misterioso e incontrolável no coração da floresta amazônica.
Os dias passaram lentamente, e eu busquei conforto na rotina da missão, tentando esquecer o que havia testemunhado. Mas a selva tinha outras intenções. Uma tarde, enquanto orava, fui interrompido por um grupo de indígenas que falavam com urgência e medo em seus olhos. Um pescador havia desaparecido, e eles temiam que fosse obra da Boiúna.
Decidi juntar-me à busca, minha fé renovada pela missão de proteger aqueles sob meus cuidados. Armado com apenas minha cruz e a força de minhas orações, dirigi-me ao rio onde o homem foi visto pela última vez.
Enquanto examinávamos a margem do rio, encontrei um caroço de tucumã partido ao meio, um sinal que me fez lembrar a lenda sobre a origem da noite. Foi então que ouvi um som abafado, como o murmúrio de uma multidão distante. Os indígenas ao meu lado pararam, seus olhos arregalados de medo. Seguindo o som, encontrei um pequeno grupo reunido ao redor de algo no chão.
Ao me aproximar, vi que era o corpo do pescador desaparecido. Seus olhos estavam vidrados e seu rosto congelado em uma expressão de terror absoluto. Suas mãos estavam crispadas, como se tentasse segurar algo que não estava mais lá. Com um nó na garganta, recitei uma breve oração por sua alma.
Meu relato, agora transcrito para vocês, é tanto um aviso quanto uma prece. Que Deus nos proteja de tais horrores e que a luz da fé continue a guiar-nos mesmo nas trevas mais profundas.