Segundo Atanásio, Antão é considerado o Patriarca do monaquismo cristão, movimento que surgiu no Egito, no início do século IV, cuja proposta era a negação de si mesmo e do mundo e o isolamento em uma vida ascética, totalmente dedicada ao Cristo.
“Então Jesus disse aos seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me”
(Mateus, 16:24) (O NOVO TESTAMENTO, 2013, p.102).
Filho de família cristã, Antão nasceu em 251, no Egito. Órfão aos 20 anos foi sensibilizado pela fala do Cristo ao jovem rico:
“Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro nos céus; vem e segue-me” (Mateus, 19:21)
Antão entregou sua única irmã a religiosas cristãs para que a criassem e educassem.
Vendeu todos os seus bens e distribuiu o dinheiro aos pobres.
Reservou uma pequena quantia para a própria sobrevivência.
Santo Antão foi tocado por outra exaltação de Jesus:
“Portanto, não vos inquie-teis com o amanhã, pois o amanhã se inquietará consigo mesmo! Basta a cada dia o seu mal” (Mateus, 6:34) (O NOVO TESTAMENTO, 2013, p.57)
Então, doou também o pouco que havia reservado para si e decidiu viver como eremita.
Desde que se retirou para a vida ascética iniciaram-se as lutas com os demônios. Antão tinha por armas as suas orações e a fé incondicional e inabalável em Jesus Cristo.
Aos 35 anos foi viver em uma das tumbas de um cemitério abandonado onde foi trancado, a seu pedido.
Em uma noite foi açoitado por grande número de demônios, o que quase causou sua morte.
Foi socorrido e retirado de lá desacordado, mas assim que voltou a si, retornou ao sepulcro.
Na mesma noite, um terremoto se fez e imagens fantasmagóricas de leões, ursos, leopardos, touros, serpentes, víboras, escorpiões e lobos invadiram a tumba.
Mais uma vez Antão resistiu.
Antão resolveu partir para o deserto, a fim de permanecer em absoluta reclusão.
Pelo seu pioneirismo é considerado o pai da vida monástica. Encontrou um local abandonado na margem oriental do Nilo, em Pispir.
Bloqueou a entrada e ficou totalmente isolado, sem receber ninguém. No entanto, a luta contra os demônios continuava.
Antão foi um modelo perfeito de vida ascética e solitária. Como relata Atanásio, somente depois de 20 anos de total reclusão, abandonou seu refúgio e converteu-se em “Pai Espiritual” de jovens monges.
O deserto ficou povoado e a montanha recoberta por celas monásticas.
Apesar de as celas serem próximas, os monges só se encontravam algumas vezes por ano para determinadas orações.
No ano de 311, aos 55 anos, Antão desceu da montanha com seus discípulos e foi para a Alexandria confortar os cristãos perseguidos pelo Imperador Maximino Daia, na esperança de que também fossem martirizados por amor ao Cristo.
Tão logo cessou a perseguição, retornaram as suas celas no deserto.
Antão sentiu a necessidade de se isolar novamente e partiu para a Alta Tebaida.
A caminho, uma voz o alertou: “(…) Mas se realmente queres estar contigo mesmo, então vai-te ao deserto interior” (ATANÁSIO, s/d, p. 53).
Somente na solidão de nosso deserto podemos “sentir” verdadeiramente Deus, o que vai além de acreditar.
Quem encontra o manancial inesgotável da presença Divina terá criado em si um oásis em meio ao deserto.
Antão construiu uma cabana muito simples e viveu em extrema pobreza. Abstinha-se de todo conforto material para libertar-se das ten-tações da sensualidade.
Dedicou-se à oração e à confecção de cestos e outros objetos para presentear os amigos que o visitavam.
Os demônios não lhe davam tréguas.
Em suas vigílias noturnas apareciam animais selvagens prontos a devorá-lo, monstros assustadores, seus pensamentos eram invadidos por toda espécie de obscenidades.
Antão colocava-se de joelhos e orava fervorosamente. Afirmava com todas as suas forças ao perseguidor que era um servidor do Cristo.
Foram muitas as lutas travadas, mas o eremita sempre se manteve firme e perseverante.
Por volta do ano 335, Antão voltou pela segunda e última vez à Alexandria para defender o Bispo Atanásio contra os arianos. Retornou pouco tempo depois à simplicidade de sua cabana, onde se sentia seguro e feliz.
Apesar de Antão desejar o isolamento, muitos o procuravam, pessoas de todas as classes sociais, clérigos e outras autoridades, inclusive o Imperador Constantino e seus filhos escreveram-lhe para solicitar orientação. Intercedia pelos doentes do corpo e da alma que lhe procuravam, ao orar e invocar o nome do Cristo, graças ao fervor de sua fé, muitas curas eram realizadas.
Santo Antão, segundo ele mesmo, suportou todas as provas, não por suas próprias forças, mas pela graça de Deus. Antes de morrer, aos 105 anos, em 17 de janeiro de 356, Antão disse aos dois discípulos que estavam com ele: “(…) não permitam que ninguém leve meu corpo para o Egito (…) façam-me vocês mesmos os funerais e sepultem meu corpo na terra, e respeitem de tal modo o que lhes disse, que ninguém, senão vocês, saiba o lugar.” (ATANÁSIO, s/d, p. 85-86).
Santo Antão poderia ser comparado a um personagem bíblico, também tentado pelo demônio: Jó.
Iahweh disse ao Satã:
“Reparaste no meu servo Jó? Na terra não há outro igual: é um homem íntegro e reto, que teme a Deus e se afasta do mal”
(Jó, 1:8).
Deus permitiu que o demônio retirasse tudo o que possuía e, ainda assim, Jó se manteve firme na fé. Deus lhe deu “o deserto como lar, o leito seco de lagos salgados como sua morada” (Jó, 39:6).
Jó apresentava uma resiliência atroz, associada a uma compreensão desconcertante e se curvava perante a vontade de Deus:
“Reconheço que tudo podes e que nenhum de teus desígnios fica frustra-do”
(Jó, 42:2)
Monaquismo do Deserto
O movimento monástico do deserto teve início com Santo Antão nos primórdios do século IV.
A tríade estabelecida pelo monacato era: o silêncio, a oração e a renúncia de si mesmo.
Submetiam-se os que aderiram ao monaquismo cristão a uma vida de sacrifícios no deserto, com o mínimo necessário para sobrevivência, em total insulamento, na tentativa de viver com plenitude e autenticidade o Evangelho do Cristo.
Os eremitas acreditavam ouvir o Senhor apenas no silêncio da clausura e na quietude do deserto, por isso buscavam uma vida de pleno isolamento.
O deserto exterior facilitava ao monge o acesso ao seu deserto interior.
O insulamento, a oração, o silêncio, a ascese, o jejum, a renúncia de si mesmo, possibilitavam um constante pensar em Deus. Travava-se um verdadeiro combate espiritual, onde a fé incondicional, firme e robusta derrotava os demônios e os vícios.
A serenidade alcançada, um coração livre das paixões, os conduziam ao prêmio almejado: uma vida em Deus.
Deus nos fala no silêncio de nossa intimidade. Jesus quando queria conversar com o Pai, afastava-se da turba, recolhia-se em silêncio para que a conexão acontecesse. Precisamos aquietar a mente e o coração para que a voz do silêncio se faça ouvir. O silêncio promove a disciplina espiritual e favorece o autoconhecimento que nos possibilita o domínio sobre nossos instintos e paixões.
Uma oração singela, uma simples frase, foi bastante utilizada pelos anacoretas: “Jesus, filho de Deus, tende piedade de mim”. O que importava era que o coração do monge do deserto falasse ao coração do Cristo e que essa união fosse ininterrupta. Afinal, rezar nada mais é do que ficar na presença de Deus com a mente no coração.
A oração mais agradável a Deus é, sem dúvida, a que vem do coração. A oração deve ser breve, frequente e silenciosa
“Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto interno e, tendo fechado a porta, ora ao teu Pai em segredo e teu Pai, que vê no segredo, te recom¬pensará” (Mateus, 6:6)
A oração do coração conduzia o monge a experiências místicas inimagináveis, graças à leveza alcançada pelo seu espírito e a sua comunhão com Deus.
Na vida monástica, para que se pudesse ouvir a voz que clamava no deserto interior, era necessária a renúncia de si mesmo, inclusive da própria vida, dos entes queridos e de tudo que pudesse trazer conforto material. A renúncia deveria ser totalmente desprovida de interesses pessoais.
O ato de renunciar proporcionava ao monge do deserto uma grande liberdade interior.
A espiritualidade do deserto se fazia como um caminho de silêncio, solidão e oração.
Segundo Nouwen, “(…) os monges do deserto não achavam que a solidão era estar a sós, mas sim estar com Deus. Não achavam que estar em silêncio era não falar, mas, sim, escutar a Deus.” (2000, p. 63). O movimento monástico entendia a experiência do deserto como um meio de transformação e enriquecimento. Assim como a dor, o deserto exterior nos iguala, não importam os títulos, as posses, os conhecimentos, todos iremos encarar as intempéries e adversidades. Para sobrevivermos no deserto é necessário que passemos por um processo de desconstrução, para alcançarmos e entendermos a nossa mais pura essência; e de reconstrução, para que saiamos transformados.
Ao mesmo tempo que o deserto traz à tona nossas fraquezas, nos coloca diante da grandeza de Deus. Temos uma alternância constante dos sentimentos de consolação e desolação. Podemos vislumbrar uma ambiguidade na conceituação do deserto, ora considerado como habitação privilegiada de Deus, ora como morada do demônio, símbolo do obscuro e sem vida. A verdadeira finalidade da vida ascética é buscar a Deus, ainda que na trajetória as tentações do mal tenham que ser enfrentadas e vencidas. À medida que o progresso espiritual avança, o deserto se converte em lugar privilegiado de encontro pessoal e místico com Deus.
Este texto está inteiro neste link. Existem algumas passagens deste texto que considero anacrônicas e imprecisas, como a parte em que fala do monatismo como uma espécie de resposta a uma suposta decadência do cristianismo. Coloquei apenas o que achei realmente interessante.